Numa coluna intitulada “Falta de caráter”, Janio de Freitas escreve o seguinte na Folha sobre a lista negra de jornalistas elaborada pelo PT e a reação de repulsa da entidade “Repórteres Sem Fronteiras”:
(…)
FRONTEIRAS
A associação internacional Repórteres sem Fronteiras surgiu com propósitos acima de políticas e de ideologias. Nessa linha, realizou importantes trabalhos em defesa de jornalistas e do exercício do jornalismo.
Sua atual atenção recente para a América do Sul tem suscitado algumas curiosidades. Agora mesmo, a respeito de críticas fortes do vice-presidente do PT, Alberto Cantalice, a jornalistas antipetistas, Repórteres Sem Fronteiras refere-se à “tensão entre governo e jornalistas da oposição”. Onde e como seria isso?
Alberto Cantalice não integra o governo. Ainda que um só integrante fosse dado como “o governo”, o que não é raro no jornalismo brasileiro, Cantalice não atenderia a tal papel. Quando muito, fala por seu partido. O PT, do qual é dirigente, não fala pelo governo. E, salvo indesculpável desatenção minha, nenhum fato atesta “tensão entre governo e jornalistas da oposição”.
O nível de liberdade de imprensa no Brasil das últimas décadas não precisa ter nem a mais sutil inveja da liberdade em qualquer país. Temos, sim, repórteres e comentaristas com fronteiras entre si, sejam filosóficas, sejam éticas, sejam outras. Isso atesta a plena liberdade de imprensa. E nos dispensa de fingir que não temos fronteiras.
Comento
Não vou esperar a minha coluna de sexta, na Folha, para responder, embora certamente vá voltar ao assunto, porque as respostas que vêm tarde já vêm frias, parafraseando Tomás Antônio Gonzaga. Janio precisa melhorar na arte em que acredita ser mestre: o jogo conceptista. É evidente que as fronteiras existem. Eu mesmo tenho muitas com o articulista: filosóficas, éticas, morais, outras…
Cito uma cerca de arame farpado ético, por exemplo: se, um dia, Janio fosse incluído numa lista de inimigos de qualquer partido ou entidade, em vez de, como ele faz, tentar explicar os motivos, por mais que eu costume abominar o que ele escreve, eu imediatamente protestaria e classificaria a prática de fascistoide. Já fiz isso em relação a pessoas cujo pensamento detesto. Está no arquivo do meu blog. A ética de Janio, que divide o espaço — a despeito de sua vontade, certamente — com duas das nove pessoas que integram a lista negra do PT (eu e Demétrio Magnoli), é outra: como resta claro em sua coluna, ele sugere que só estamos lá por bons motivos. Na prática, justifica e aceita a lista.
Voltem a seu texto. Começa dizendo que a “Repórteres Sem Fronteiras” surgiu “acima de políticas e ideologias”, e ele a elogia por isso. Só não gosta é da “atuação recente para a América do Sul”. Ah, bom! Informo: a entidade criticou, por exemplo, a barbárie na Venezuela e, agora, a lista negra petista. Vale dizer: para este senhor, quando a “Repórteres Sem Fronteiras” protege jornalistas contra governos de direita, ele acha o trabalho meritório; quando os protege da sanha de governos de esquerda, aí não. E, por isso, resolve fazer graça com o nome da entidade. Ora, ela se chama “sem fronteiras” justamente porque não tem na cabeça os arames farpados que delimitam, o, por assim dizer, pensamento de Janio de Freitas.
De resto, meu senhor, atenha-se ao texto. O comunicado da entidade não fala em “jornalistas antipetistas”, mas “de oposição”. Já não é um bom termo, mas ainda é passável porque a “oposição” pode ser coisa mais ampla do que o “antipetismo”. Quem recorreu a essa palavra é Janio — e, como se nota, ele acha que essa suspeita torna, então, aceitável a lista.
Quanto ao PT não ser o governo, aí só posso achar que se trata mesmo de uma piada ou de falha moral. O partido é o ente que foi eleito para dirigir o país — e como dirige! Não há jornalista de Brasília que não saiba como funcionam as coisas por lá. Janio certamente fala bem com Gilberto Carvalho. Por que ele não pergunta ao ministro como surgiu a tal lista — que, de resto, foi parcialmente antecipada por José Trajano, na ESPN?
Janio tem razão. Existem, sim, muitas fronteiras entre os jornalistas. A entidade só se chama “Jornalistas Sem Fronteiras” porque acredita que há valores que nos unem a todos, independentemente de países, de credos, de ideologias.
A mais intransponível de todas as fronteiras, no entanto, é a da decência. Ou a gente a tem ou nunca terá. Achei que a defesa oblíqua que Janio chegou a fazer de Henrique Pizzolato era o seu fundo do poço. Ele nos reservava outras surpresas: a defesa de listas negras de jornalistas dos quais ele discorda. Esses dois anos recentes deste senhor têm servido para que ele coloque nos justos termos toda uma vida profissional.
Parabéns, Janio! Nem todo mundo tem a coragem de corrigir a própria biografia! Faltava defender uma lista negra. Agora já não falta.
Sejam moderados nos comentários. Essa gente adora dar caneladas para provocar uma resposta que os leve a gritar em seguida: “Falta!”. É zagueiro camaronês dando empurrão em Neymar… Viram só? Eu sou um dos colunistas que incitam ao ódio. Janio inspira só amor… Eles contam com a nossa reação para poder nos acusar de truculência. Não caiam no truque.