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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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AS BOBAGENS DO MEDALHÃO DALMO DALLARI

 É, leitor… Vai um daqueles tamanho-família. Mas o homem não me deixou outra opção. * Na semana passada, o petista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, chamado por alguns de “jurista”, defendeu a presença da Polícia Militar no campus na USP. Surpreendeu os esquerdistas, inclusive a […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 5 jun 2024, 21h59 - Publicado em 22 jun 2009, 06h19

 É, leitor… Vai um daqueles tamanho-família. Mas o homem não me deixou outra opção.
*

Na semana passada, o petista Dalmo de Abreu Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, chamado por alguns de “jurista”, defendeu a presença da Polícia Militar no campus na USP. Surpreendeu os esquerdistas, inclusive a repórter com quem falava, Laura Capriglione, que chegou a lhe atribuir, obliquamente, a pecha de traidor. A opinião de Dallari, correta no particular, demonstra apenas a validade daquela máxima de que até um relógio parado está certo duas vezes por dia. Ele concedeu uma entrevista ao Estadão deste domingo, desta feita para defender, vejam que coisa!, o fim do Senado e para atacar a senadora Kátia Abreu (DEM-TO). A acusação? Ah, ela é produtora rural, e, sabe-se lá por quê, o valente não gosta disso. Já chego lá.

Sim, Dallari quer o unicameralismo no Brasil e prepara um livro a respeito. A razão mais urgente a justificar a sua tese são as lambanças na Casa.  Ele já escreveu um artigo defendendo essa opinião e foi docemente contestado por seu genro, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Eis aí: um dos efeitos deletérios decorrentes da bagunça no Senado é dar chance a esse tipo de oportunismo. Dallari, evidentemente, toma os vícios a serem corrigidos como causa suficiente da mudança que propõe. Talvez esteja um tanto tocado pessoalmente pela coisa. Sua filha, Monica Dallari, namorada de Suplicy, fez viagens com a cota de passagens aéreas a que o senador tinha direito — inclusive a Paris. Suplicy disse ter devolvido o dinheiro ao Senado.

Abaixo, vou opor e apor alguns argumentos às opiniões do advogado. Antes, falo do ataque a Kátia Abreu. Nas democracias do mundo inteiro, deputados e senadores são ligados a determinados setores: trabalhadores de uma certa área, empresários de outra, gente especialmente interessada em ramos da administração pública… Não há nada de ilegal e muito menos de moralmente condenável nisso. O presidente da República é, ele próprio, uma figura construída como represente de uma categoria — depois, ampliou a sua base social. A senadora Marina Silva (PT-AC) fez-se como a porta-voz dos povos da floresta. Vejam o que diz Dallari de Katia Abreu:
Precisamos aperfeiçoar a representação. Vou dar um exemplo claro: a senadora Kátia Abreu, do Tocantins, fala contra o ministro Carlos Minc se autodefinindo como representante do agronegócio, não do Estado”.

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Trata-se de uma leviandade, de uma bobagem, de uma patrulha estúpida. Em primeiro lugar, foi eleita por um estado essencialmente agrícola. Em segundo lugar, é presidente da Confederação Nacional da Agricultura — assim como há deputados e senadores ligados à CUT, à Força Sindical ou aos povos da floresta.

A questão aí é outra. Como antevi aqui há tempos, podem procurar no arquivo, a senadora Kátia Abreu entraria na mira das esquerdas. Porque é uma reacionária? Porque é uma “direitista”, como eles diriam? Não! Porque não é da turma. Só por isso. Setores da própria imprensa a têm tratado com óbvia má vontade. Esta senhora tem um defeito muito grave: sabe o que fala. Pode soletrar, se preciso, para os Carlos Mincs da vida, que vivem do discurso e do misto de boa-fé e ignorância alheias, qual é a verdadeira situação das terras agriculturáveis do Brasil. No dia em que os dados de satélite forem realmente conhecidos, sem o glacê da ideologia verde, que um dia foi vermelha — antes de o macaco prego substituir Karl Marx (o que não deixa de ser uma troca justa) —, vai-se constatar a cadeia de imposturas que toma conta desse discurso. Voltarei muitas vezes a este tema, mas saibam: se todas as leis ambientais forem mesmo postas em prática, como querem alguns doidivanas, o Brasil terá, no mínimo, de ocupar toda a Argentina para criar os santuários ecológicos. Já publiquei os números aqui, mas relembro rapidamente: tudo “preservado” como eles querem, restaria ao país 29% do território para agricultura, pastagens, cidades e infra-estrutura. Corolário: o país só tem como funcionar na ilegalidade porque querem impor leis que estão muito além ou muito aquém de qualquer razoabilidade.

Kátia Abreu se atreve a enfrentar esse debate e não tem receio de falar em defesa dos produtores — e isso quer dizer 16 milhões de empregos diretos. Pedaços militantes da imprensa tratam o setor como “os ruralistas”, algo bem próximo, vizinho mesmo, do xingamento. E, no entanto, é ele quem tem garantido os sucessivos superávits na balança comercial brasileira, um dos pilares da relativa tranqüilidade do país para enfrentar a crise mundial. Não quero me estender muito nesse particular — que fique para outros textos. Kátia Abreu incomoda os místicos da natureza com os estudos científicos — eu escrevi “CIENTÍFICOS” — que pautam a sua atuação. E vocês sabem como a razão costuma sabotar os mitos.

O que eu tenho a ver com o agronegócio? Nada! Sou do mato, é verdade. À diferença de boa parte da imprensa que “defende a natureza”, sei distinguir um alho de um bugalho e não tentaria espantar uma cobra batendo o pé no chão para assustar a bichinha… Gente do mato mata a cobra e mostra a cobra. É atavismo. Acho apenas uma barbaridade, de uma estupidez que beira a sociopatia, a satanização continuada, sistemática, a que está sendo submetido um setor da economia que responde por boa parte do crescimento recente do país e da estabilidade — e isso inclui a produção de comida barata. Kátia Abreu começa a irritar os ignorantes com a sua mania de debater os fatos. Voltarei ao tema outras vezes. Agora mais um pouco da tese de Dallari.

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Teses esdrúxulas
Depois de fazer um passeio de nível “Massinha I do Direito” (a questão é saber se suportaria ministrar o Massinha II…) sobre o surgimento do bicameralismo, Dallari conclui que, de fato, o Senado tem servido apenas como canal de expressão dos conservadores, dos reacionários, daqueles que querem criar obstáculos à vontade do povo. Vê isso nos sistemas inglês, americano e francês. E o mesmo teria acontecido no Brasil. Ao comentar o sistema francês, considera o bruto:

A primeira Constituição francesa é de 1791, num segundo momento da Revolução, em que as forças populares já não eram tão ativas e a burguesia, que buscava conciliação com o setor progressista da nobreza, tinha assumido o poder. Mas havia uma corrente da burguesia radical com grande poder no Legislativo. Para deter os excessos democratizantes dessa corrente foi que se pensou no Senado, instituído oficialmente na Constituição de 1799 e chamado de poder conservador, porque se queria afirmar que a fase revolucionária havia terminado.”

É chato, juro!, ter de acusar a abismal ignorância de Dallari nesse caso. O ano de 1791 não marca a “segunda fase da Revolução Francesa”, mas ainda a primeira. Não é uma questão apenas de periodização-padrão. É que o que vem depois — de 1792 a 1794 — é coisa radicalmente diferente: o Terror jacobino, com seu festival de cabeças cortadas. À diferença do que diz Dallari, o ano de 1791 é aquele em que as ditas “forças populares” começam a se organizar para, de fato, ser ativas.  Afirmar que, durante o Terror, cometeram-se “excessos democratizantes” corresponde a justificar a impressionante cadeia de crimes cometidos por Robespierre e seus valentes. As execuções sumárias determinadas pela tirania transformaram-se em espetáculos públicos grotescos, para servir de exemplo. Criaram-se comitês disso e daquilo. A população era estimulada a jogar o jogo da delação, acusando os “sabotadores da revolução”. Horror e morte.

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A deposição de Robespierre, segundo certos brucutus submarxistas, dá início à “reação” contra-revolucionária, que vai culminar, alguns anos depois, em Napoleão. É uma bobagem formidável. A revolução, que era burguesa, não proletária, só se consolida porque, de fato, opta por um tipo de “recuo”. Mas recua em quê? Justamente na brutalidade, na violência, na morte tornada uma indústria. Não há a intenção de dizer que “a revolução havia terminado” coisa nenhuma! Ocorre que era necessário dotar o país de instituições minimamente estáveis, o que a Convenção e, depois, o Diretório vão fazer. A leitura de Dallari é errada não por uma questão de gosto, mas de fato.

E, como se nota, ele extrai dela uma lição moral: o Senado vem sempre para expressar uma visão de mundo conservadora e, pois, “antipovo”. Besteira! Boa parte das democracias do mundo avança justamente no bicameralismo: o Senado, LIVRE DE LADRÕES, DE VAGABUNDOS, DE APROVEIRATADORES (e a Câmara também), é o elemento de estabilidade nas mudanças. Ele tem de ser justamente o freio reformista que vai dialogar com o mudancismo. Unicameralismo não é evidência de democracia, e a Venezuela é um bom exemplo. Sim, Noruega, Suécia, Dinamarca e Portugal, com todas as suas peculiaridades — população pequena, por exemplo —, são unicamerais. Mas também o são as tiranias chinesa e cubana.

Mais bobagem
Dallari não é do tipo que se contente com pouca bobagem. Ele é sempre muito imodesto. Na invectiva contra o Senado, diz ainda:

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A figura do senador como representante dos Estados, no Brasil, não tem sentido, porque os Estados brasileiros não são soberanos. Eles podem tomar decisões sobre uns assuntos, mas não sobre outros, reservados ao poder central. Mesmo nos EUA não são tão soberanos assim. Chamar as antigas colônias de Estado foi um artifício para criar a fantasia de que elas continuariam autônomas mesmo sob um governo comum.”

Em vez de tentar reforçar o federalismo no país, ele pede o fim do Senado na certeza, parece, de que ele é incompatível com o nosso gingado. E, levado pelo efeito deletério das próprias palavras, decidiu atacar também o Senado americano. Não sei se entenderam por que fiz aquele arrazoado sobre a Revolução Francesa: para Dallari, o freio no mudancismo que os Senados do mundo representam é uma coisa ruim. Vale dizer: em sua utopia pregressa, a França do terror teria seguido na trilha das cabeças cortadas.

E ele estava mesmo impossível, falando o que desse na telha:
(…) a nossa é uma falsa federação, porque temos falsos Estados. O Artigo 46 da Constituição diz que o Senado se compõe de representantes dos Estados e do Distrito Federal. Mas, de fato, não há nenhuma justificativa para que, além dos representantes do povo, haja representantes dos Estados, tão dependentes que são do governo central. Senão, por que não criar também uma câmara federal para representar os municípios? Afinal, nosso federalismo é de três níveis.”

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Isso é que é descascar a banana e jogar o miolo fora. Se ele quer levar adiante a lógica do federalismo de três níveis, a cobrança que tem de fazer não é a de um “Senado com representantes dos municípios”, mas de senados estaduais, como existem nos EUA. Um certo Barack Obama, não sei se já ouviram falar, começou a ser notado justamente como senador estadual…

Olhem, poderia pegar a sua longa entrevista (íntegra aqui) e desmontar linha a linha. Sobretudo porque Dallari é do tipo cuja argumentação é um queijo suíço. Ele só prospera porque a sua condição de “progressista” lhe confere aquela doce e especial licença para falar bobagem com a conivência do interlocutor. O Senado-que-temos é, sem dúvida, na média, um horror. O Senado-de-que-precisamos é excelente. Ou agora vamos extinguir, em vez de reformar, as instituições quando constatamos que não funcionam ou funcionam mal? Dallari deveria ter proposto a extinção da Presidência da República durante o mensalão.

Com todos os seus defeitos, como deixar de considerar que o Senado era a primeira — e provavelmente intransponível — barreira da turma que defendia o terceiro mandato, por exemplo?

Cuidado com os oportunistas, leitor! Há gente achando que a única forma de corrigir os males da democracia brasileira é com menos democracia, justamente o oposto do que recomendaria um Tocqueville, por exemplo. Afinal, como se nota, Dallari é do tipo que chama a fase do Terror da Revolução Francesa de “excessos democratizantes”. Sabemos o quanto essa gente sonha com “excessos democratizantes” no Brasil também, não é? A gente entra com o pescoço, e eles com a guilhotina.

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