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Reinaldo Azevedo

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Jornal francês vê influência do candomblé, e eu entendo por que a França se especializou em tortura

Segundo o Le Monde, Thiago Braz só venceu em razão da ajuda de outro mundo. Vejo na afirmação o ranço do colonialismo boçal

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 30 jul 2020, 22h05 - Publicado em 16 ago 2016, 23h37
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  • Que coisa, né?

    Quando menos se espera, o preconceito colonialista pode baixar na imprensa francesa com sotaque de esquerda.

    O Le Monde, ora vejam, sugeriu que o atleta brasileiro Thiago Braz só venceu o francês Renaud Lavillenie e obteve ouro no salto com vara porque contou com a ajuda do candomblé.

    Quem deu a deixa foi Philippe d’Encausse, o ressentido técnico de Lavillenie. Referiu-se assim ao Brasil: “Esse país é bizarro”.

    Não custa lembrar: Thiago é religioso, sim, mas é evangélico, uma crença que não costuma se casar muito bem com o candomblé. O próprio atleta admite a influência da religião no seu desempenho, mas de um jeito insuspeitado pelo Le Monde e por D’Encausse: “Durante a minha carreira, eu aprendi a ter fé e confiar em Deus. E isso tem me ajudado em muitas coisas, até mesmo na concentração, e eu tenho colocado em prática. Para mim isso é especial”.

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    Fosse como diz o jornal francês, teríamos de lembrar a máxima de João Saldanha: “Se macumba ganhasse jogo, campeonato baiano terminaria empatado”.

    Aliás, isso vale para qualquer religião, não é? Eu, por exemplo, acho que Deus não costuma entrar em campo, em quadra ou saltar com vara. Entendo é essa crença de Thiago: a fé pode conferir concentração, força interior, determinação. E essas coisas são insubordináveis. Por essa razão, tantos tentam, há tanto tempo, sem sucesso, pôr fim às religiões.

    É evidente que o Le Monde não estava buscando ser simpático — e não, reitero, que o candomblé possa envergonhar alguém. Há, insisto, o velho ranço colonialista, que vê numa cultura distinta da sua características sobrenaturais, não subordináveis à razão.

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    Atenção! O autor do texto, Anthony Hernandez, esclareceu que o técnico não se referiu ao candomblé. Afirmou o seguinte: “Eu me apoderei desta frase dele ‘este país é bizarro’, de forma que ele não poderia acreditar no resultado surpreendente. Dali, isso me deu a ideia e, sobretudo, com o cenário irracional desta final, de fazer referência ao candomblé. Naturalmente, essa é uma extrapolação pessoal. Em nenhum momento, no meu artigo, eu digo que ele faz referência a isso.”

    Entendi! O ressentimento é do técnico. Mas a delinquência intelectual é do repórter. E o mau gosto de publicá-la é do Le Monde.

    Vamos pôr aqui alguma teoria. É o caso de lembrar o notável “Visão do Paraíso”, de Sérgio Buarque de Holanda, que trata da perspectiva fantástica, mágica, edênica, fantasmagórica às vezes, que o europeu tinha do Novo Mundo — muito especialmente os espanhóis.

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    Os portugueses, felizmente, tinham a imaginação para essas coisas um pouco mais curta e trataram logo de estabelecer uma relação mais direta e pragmática com a terra.

    O Le Monde ainda acha que há entidades místicas habitando o nosso país, que podem, por força da magia e de elementos pré-racionais, interferir na realidade. Afinal, só assim um francês poderia ser vencido por um brasileiro, não é mesmo?

    A nossa torcida foi muito malcriada com Lavillenie, mas Thiago só ficou com a medalha de ouro porque saltou mais alto. Talvez o francês tenha sido prejudicado pela gritaria, mas não eram seres de outro mundo que estavam nas arquibancadas se comportando mal: eram apenas brasileiros.

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    A macumba não tinha nada a ver com isso.

    Acho que entendo um pouco mais por que os franceses foram tão brutais na guerra da Argélia e por que desenvolveram técnicas de tortura nunca antes testadas, de uma crueldade inaudita: fica tudo mais fácil quando você acha que o outro não é um humano igual a você.

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