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Leiam “Arranhando a Superfície”, de Gerald Thomas

Já está nas livrarias “Arranhando a Superfície” de Gerald Thomas, da Editora Cobogo. Ainda não vi o livro, mas me dizem que está uma maravilha. Abaixo, segue um texto de Luiz Felipe Reis, publicado no Globo, que traz informações importantes a respeito. Vale a pena ler. Desenhos e ilustrações reunidas em livro evidenciam um artista […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 07h19 - Publicado em 28 nov 2012, 18h10

Já está nas livrarias “Arranhando a Superfície” de Gerald Thomas, da Editora Cobogo. Ainda não vi o livro, mas me dizem que está uma maravilha. Abaixo, segue um texto de Luiz Felipe Reis, publicado no Globo, que traz informações importantes a respeito. Vale a pena ler.

capa Arranhando a Superfície

Desenhos e ilustrações reunidas em livro evidenciam um artista visual de primeira linha

Aos 10 anos Gerald Thomas passou de fase e deixou de ser visto como criança. Levado pelos pais ao ateliê livre que Ivan Serpa (1923-1973) dirigia no Museu de Arte Moderna do Rio, o menino chamou a atenção do mestre, que decidiu tirá-lo dali e levá-lo para um lugar mais apropriado: um muquifo alugado numa obscura galeria de Copacabana. Era ali que Serpa se reunia com alguns dos expoentes das artes visuais cariocas dos anos 1960, entre eles Rubens Gerchman, Antonio Dias e Hélio Oiticica. Naquele espaço, “terrível, mal cheiroso”, lembra Thomas, Serpa organizava um curso teórico, onde discutiam-se conceitos e obras criadas por ícones como Duchamp, Breton e Magritte, entre outros.

“Era um buraco e tinha como vizinhos puteiros, chaveiros, cabeleireiros, um horror, mas era melhor que o ateliê de vovós lá do MAM”, diz Thomas. Serpa exigia que os alunos soubessem tudo sobre todas as escolas. “A ideia era nos dar uma formação, e o que saísse dali era responsabilidade de cada um. Entregava um trabalho por semana, e ele rasgava tudo na minha frente. Dizia que não era arte. Eu não tinha estrutura, engolia a seco, mas comecei a entender que você não pode perseguir a obra de arte. É ela que persegue você. Um dia não levei nada, e ele questionou. Disse que eu era o meu trabalho. Aí ele falou: ‘Agora você entendeu.’ E aí eu fingi que entendi.”

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Foi nesse ambiente que seus primeiros traços ganharam forma, que concepções estilísticas e teóricas passaram a habitar o imaginário do artista que ele se tornou. Consagrado como um dos encenadores mais ousados dos anos 1980 e 1990, Gerald Thomas esboçou luz, cenários e situações de muitas montagens em desenhos que agora foram reunidos no livro “Arranhando a superfície” (Cobogó), com lançamento terça-feira na Livraria da Travessa de Ipanema.

Nele, 130 imagens exprimem aquilo que a superfície dos fatos e dos feitos teatrais de Gerald ocultaram: a condição de artista visual de traços absolutamente peculiares — expressionistas para uns; “uma série de referências juntas” para o próprio. No livro, além de esboços e cartazes de suas peças, há desenhos e ilustrações que estamparam páginas e capas de importantes publicações, como os jornais “The New York Times” e “Boston Globe” e as revistas “Atlantic Monthly” e “Vanity Fair”.

Thomas tinha 20 e poucos anos quando chegou a Nova York, depois de se graduar em Filosofia na Inglaterra. Mergulhou na cena experimental e passou a encenar suas primeiras peças no La Mama. O teatro, apesar de prioritário, ainda não fechava as contas. Numa manhã de 1980, ele arrumou o telefone do departamento de arte do “Times” e teve a sorte de ser atendido por Jerelle Kraus. “Ela era a chefe do departamento. Acho que ela foi com a minha voz e disse para eu ir até lá”, lembra Thomas.

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Com uma pasta sob o braço, andou até a sede do jornal e saiu de lá com a primeira encomenda: um desenho sobre a “perda de identidade” no mundo. No dia seguinte, às 15h, entregou o desenho, e às 23h30m deparou-se com ele estampado em meia página da editoria de opinião. Era o início de quatro anos ininterruptos de colaboração. “Na primeira semana eu tinha serviço para todos os dias. Ganhava US$ 350 por trabalho. Era muito dinheiro para a época, fiz uma fortuna”, diz. Até que deu, e Thomas arrumou um jeito de ser demitido: “Desenhei um carneiro morto e sabia que isso era intolerável no Yom Kippur. Os judeus do jornal não aceitaram.”

Manhã seguinte, cabeça cortada. Um ano depois ele reapareceria nas páginas de cultura do mesmo “Times”. Thomas dirigia Julian Beck, fundador do Living Theater, em “Trilogia Beckett”.

Em “Arranhando a superfície” há imagens de peças como “Quartett”, de Heiner Müller, “All strange way”, de Beckett, “Eletra com creta”, do próprio Thomas, a ópera “Matto Grosso”, em parceria com Philip Glass, além de um desenho para “Ghost sonata”, de Strindberg, que vem criando com John Paul Jones. Nos desenhos encontram-se ecos de pop art, surrealismo, expressionismo alemão. Ele cita Ralph Steadman, Saul Steinberg, Escher, mas descarta categorias para seus trabalhos, majoritariamente criados à base de café, acrílico, canetas e Caran D’Ache.

“Queria materiais baratos e perecíveis”, diz. “Sou fascinado pelos pergaminhos do Da Vinci, aqueles tons amarronzados, e aí comecei a derramar café e conforme ele ia escorrendo criava formas que me surpreendiam. Além disso, escolhi o café porque é algo ácido e achei que iria corroer os papéis em pouco tempo. Queria que o material corroesse o próprio trabalho. Nada merece viver por muito tempo. Mas não deu certo, e eles continuam intactos.

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