Logo, todo brasileiro terá direito ao menos a um cadáver; a partir do segundo, os nossos humanistas começarão a se preocupar
Ouvem este silêncio ensurdecedor? É da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, diante do corpo de Victor Hugo Deppman. Ouvem este silêncio ensurdecedor? É do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diante do corpo de Victor Hugo Deppman. Ouvem este silêncio ensurdecedor? É do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, diante do corpo de Victor […]
Ouvem este silêncio ensurdecedor?
É da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, diante do corpo de Victor Hugo Deppman.
Ouvem este silêncio ensurdecedor?
É do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, diante do corpo de Victor Hugo Deppman.
Ouvem este silêncio ensurdecedor?
É do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, diante do corpo de Victor Hugo Deppman.
Ouvem este silêncio ensurdecedor?
É das ONGs que se dizem dedicadas à defesa dos direitos humanos diante do corpo de Victor Hugo Deppman.
Em breve eles começarão a falar. Bastará que comece a tramitar no Congresso uma PEC alterando o Artigo 228 da Constituição, que define a inimputabilidade penal até os 18 anos, ou uma lei que mude o Artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece um limite de três anos de “recolhimento” mesmo para assassinos, e toda essa gente falará freneticamente. Contra a medida, é claro! Dirão que os reacionários, que a “direita”, estão tentando criminalizar as criancinhas e os pobres — como se pobreza fosse sinônimo de violência.
É evidente que essa gente toda não é obrigada a comentar cada homicídio que acontece no Brasil — até porque são 50 mil ao ano. Mas me espanta a rapidez com que todos eles se manifestam quando morre alguém que consideram “companheiro”, quando o cadáver tem a marca “do social”; quando o morto estava, em suma, ligado a uma causa do partido. É por isso que, há muitos anos, digo que há dois grupos de vítimas de homicídio no Brasil: o dos mortos sem pedigree, para os quais ninguém dá bola (e são a esmagadora maioria), e a dos mortos com pedigree, com certificado de autenticidade social. Até briga de bandidos em assentamentos de ex-sem-terra assume a dimensão de um “caso político”.
Os idiotas, diante de uma afirmação como essa, querem ler o que não está escrito. É evidente que se deve apurar e punir com rigor as mortes motivadas por conflitos de terra e assemelhados. Ocorre que a atenção que o Poder Público dá a essa questão é desproporcional quando se considera o que vai pelo país. É aceitável que se mate, no Brasil, a cada ano, 50 mil pessoas? Não há guerra no mundo que produza esse número de cadáveres. E razoável que, diante dessa realidade, os Poderes Públicos se mostrem inermes?
Sim, precisamos de polícias mais eficientes, de mais iluminação pública, de urbanização das favelas, de mais amor, de mais solidariedade, de mais gente fazendo aqueles coraçõezinhos de cantor sertanejo… Mas precisamos de leis — que sejam cumpridas — que ponham fim à impunidade. É duro ter de escrever assim, mas é necessário: matar tem de deixar de ser ou um bom negócio ou um negócio quase irrelevante. E os governos é que têm de encaminhar esse debate.
A inimputabilidade penal até os 18 anos, garantida na Constituição, e o máximo de três anos de reclusão para um menor que tenha cometido um latrocínio criam uma espécie de demanda por “menores assassinos”, que passam, então, a jogar com a lei. Se não forem pegos, ótimo! Se forem, não será assim tão ruim.
“Se a maioridade penal for estabelecida aos 16, não poderão surgir os assassinos de 15, Reinaldo?” Em tese, sim, embora me pareça razoável supor que, quanto menor a idade, maior é o controle das famílias e menor a chance de delinquir. Mas que se note: a) eu sou contra o estabelecimento de uma idade para a inimputabilidade; creio que se deve avaliar a consciência que o criminoso tem do seu ato; b) com 17, 16, 15 ou 12 anos, a internação de, no máximo, três anos tem de ser revista.
Progressão das penas e regime de cumprimento
Há outras aberrações no país que precisam ser corrigidas. Para os crimes considerados não hediondos, o condenado tem direito à chamada progressão da pena depois de cumprir apenas 1/6 — do regime fechado para o semiaberto e deste para o aberto. No caso dos crimes hediondos, a progressão se dá depois de 2/5 de cumprimento e 3/5 para reincidentes.
A progressão de regime, em tese, não é automática e tem de ser precedida de rigorosa avaliação para que o juiz, então, possa decidir. Bobagem! Acabou virando mera burocracia homologatória. As avaliações, quando existem, são ineptas, e a progressão é concedida sem qualquer critério.
O homicídio qualificado ou o latrocínio, por exemplo, são crimes hediondos. No Brasil, a condenação máxima é de 30 anos — o que é uma raridade. Mesmo nesse caso extremo, se o condenado não é reincidente, pode ficar preso apenas 12 anos. Vênia máxima aos sábios do direito nacional: 12 anos por uma vida é muito pouco! Mas ainda é bastante, creiam, quando nos damos conta do que realmente acontece.
Falemos, então, dos delitos e das penas. O goleiro Bruno foi condenado a 22 anos e 3 meses de prisão por homicídio TRIPLAMENTE qualificado, sequestro, cárcere e ocultação de cadáver. Terá de cumprir dois quintos da pena (por causa do crime hediondo) e aí pode ter direito à progressão. Ficará em regime fechado oito anos e uns quebrados. Não dá para saber ao certo. A cada três dias que trabalha na prisão, por exemplo, diminui um da pena. É razoável? Sua namorada foi sequestrada, deixada em cárcere privado, espancada, morta, e, muito provavelmente, o corpo foi dado aos cães. Com todos os benefícios, é possível que Bruno fique preso, de fato, entre sete e oito anos.
E por que é assim? Porque inexistem instituições prisionais no Brasil para os regime semiaberto e aberto. Tanto é assim que vocês cansaram de ler que o regime semiaberto é aquele em que o preso tem o direito de sair para trabalhar e só tem de dormir na cadeia.
Não é, não! O regime semiaberto, a rigor, também deveria ser fechado. Só que o preso teria mais regalias e viveria sob vigilância menor. Em alguns casos — para estudar, por exemplo — poderia sair da cadeia, mas estaria sempre sob a tutela de um ente estatal. O preso albergado, este, sim, poderia trabalhar, cumprindo certas formalidades, recolhendo-se ao albergue durante a noite e nos fins de semana. Por que tantos verbos no futuro do pretérito?
Isso tudo em tese. O Estado brasileiro simplesmente não dispõe dessas unidades prisionais. Praticamente não há instalações para o regime semiaberto e aberto no Brasil. Resultado: depois de cumprir um sexto da pena ou dois quintos (crimes hediondos), o preso sai da cadeia e vai pra casa, como se estivesse em liberdade condicional — e o livramento condicional é outra coisa.
Caminhando para a conclusão
Então vejam que coisa fabulosa: o regime da progressão já seria uma liberalidade ainda que houvesse condições físicas de se cumprirem as três etapas da condenação à prisão. Como o país dispõe só de instalações — no mais das vezes, porcas — para o regime fechado, tão logo ele consiga a primeira fase da progressão, vai pra casa. Sequestra, tortura, mata, corta em pedaços e dá de comer aos cachorros e estará livre, leve e solto em sete anos, quando muito.
É aceitável?
Em breve, algum pragmático ainda vai propor que todo brasileiro tenha o direito de matar ao menos uma pessoa sem ser molestado pelo estado. A partir do segundo, aí o sujeito pode se complicar, mas não muito. Observo que, dado o baixíssimo índice de identificação da autoria de homicídios no país, esse “direito ao cadáver” vem sendo exercido com determinação: 50 mil vezes por ano, no mínimo.
Tudo sob o silêncio ensurdecedor de Maria do Rosário, de José Eduardo Cardozo, de Gilberto Carvalho, de Dilma Rousseff, das ONGs dedicadas à defesa dos direitos humanos… É que essa gente está muito ocupada tentando demonstrar quem eram os bandidos e quem eram os mocinhos no Brasil de há 50 anos!
Os cadáveres dos brasileiros do presente podem esperar. São cadáveres sem pedigree. Que falta faz uma oposição no Brasil, não é mesmo?