A gangue que invadiu o consultório da dentista que Cinthya Magaly Moutinho de Souza já havia antes embebido suas vítimas em álcool, mas nunca havia acendido o isqueiro. Segundo o depoimento dos assassinos, um fato foi determinante na decisão, o que o tal menor sem nome e sem rosto narrou com frieza burocrática à polícia. Jonathan, o tal que conduzia o Audi da mãe no assalto, tinha saído com o cartão de banco de Cinthya para fazer um saque. Ao constatar que só havia R$ 30 na conta, ficou furioso e ligou para seus comparsas. Estes, mais irritados ainda, resolveram matar a dentista queimada. Decidiriam “isqueirá-la”. Os malditos já criaram até um verbo para o ato bárbaro.
Ou, como notou a minha mulher, eles não suportaram o fato de que a dentista que eles assaltavam era mais pobre do que eles próprios — que pobres não eram, é bom que fique claro. Eles não suportaram o fato de que aquela que eles assaltavam, e que ganhava a vida com o seu trabalho, tinha menos dinheiro do que eles próprios, canalhas que viviam do que arrancavam dos outros.
Se há alguma “luta de classes” nesse caso, como quer a delinquência moral pró-bandido que está presente em boa parte da imprensa brasileira, está no fato de que marginais endinheirados não toleraram o fato de encontrar pela frente uma vítima sem dinheiro. E aí eles a “isqueiraram”.
Infelizmente, nem Cinthya nem Victor Hugo Deppman sobreviveram para escrever um texto para a Folha (ver post). Ele teve os miolos espalhados na calçada. Ela virou carne queimada em alguns minutos. Não tiveram tempo de passar pela ascese sociológica que, ao chamar justiça de vingança, advoga a impunidade e faz uma pacto com a bandidagem.