Deixem-me ver… Deve ter acontecido em 1997 — 16 anos já!!! Numa reunião de pauta da revista República, uma editora sugeriu que fizéssemos uma reportagem sobre as entidades não governamentais, as tais ONGs. Já as havia em bom número, mas ainda não havia essa febre. Brinquei então: “Só se for em tom de denúncia…”. Por quê? Incomodava-me já uma particularidade das ONGs no Brasil: a maioria ou era rabicho de um partido político ou trabalhava para governos. Na terra da jabuticaba e da pororoca, temos as organizações não governamentais que são… governamentais!!!
Eu tenho certas ortodoxias. Um delas é entender que ONG é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que tem de procurar se financiar junto a privados para fazer seu trabalho, independentemente do estado, do governo. Só não pode, por óbvio, desenvolver uma militância ou ação que se choquem com políticas públicas submetidas ao controle democrático. Se ONGs começam a trabalhar para governos e a receber por isso, ONGs não são. São empresas. “Mesmo quando dizem não ter fins lucrativos?” Sim. Isso é o de menos.
Pois bem… Não se fizeram nem uma reportagem nem outra. Mas ainda acho que eu estava certo. Por que isso agora? O economista Bernardo Figueiredo, informa o Estadão, escolhido por Dilma Rousseff para comandar a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), que é pública, contratou uma ONG, o Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun, para “desenvolver solução tecnológica para gestão de eventos de transporte e monitoramento de ferrovias, rodovias e hidrovias, envolvendo carga e passageiro”. A tal ONG, conta, não visa ao lucro. Parece que é mesmo só amor pela causa do “monitoramento”. O fato é que é o presidente da EPL a contratou sem licitação para um contrato de R$ 32,9 milhões — 13% do Orçamento da estatal para este ano.
O Ministério Público se interessou pelo caso e decidiu cobrar explicações de Figueiredo. A justificativa é a da notória especialização. Então tá bom! A, como é mesmo?, sexta ou sétima economia do mudo tem uma única empresa de logística para tratar desse assunto, e uma estatal, como se sabe, não pensa em nenhuma outra, de nenhum outro país, que possa se interessar pelo caso.
O Estadão informa que o tal centro é comandado pelo físico Dario Sassi Thomer, que mantém outros contratos com o governo federal. Há coisas que nunca saíram do papel. Um projeto apresentado em 2007, num contrato original de R$ 1 milhão, já recebeu quatro aditivos. Olhem aqui: tudo pode estar sendo feito segundo os rigores de uma casta honestidade. Mas não é assim que as coisas funcionam numa República. Acreditar que o Brasil estaria impedido de pensar soluções de transporte não fosse a ONG de Sassi Thomer é uma óbvia ofensa à inteligência.
Não sei que explicação tem a EPL. A que foi apresentada beira o ridículo.