Há pouco mais de um mês, as esquerdas, especialmente aquelas incrustadas nas redações, tratavam João Doria de maneira jocosa. Era o “coxinha” certinho que queria se meter na política. Não passava de uma invenção do governador Geraldo Alckmin. Não sabia nada do assunto… Iniciado o horário eleitoral no rádio e na televisão, as críticas se acirraram. Parece um boneco… Onde já se viu falar daquele jeito? Esse nunca viu o povo de perto. Trinta e seis dias depois, o “coxinha” que sofria um verdadeiro bullying da imprensa pode levar a eleição no primeiro turno na maior capital do país, integrará a galeria dos políticos com o maior número de votos individuais da história — desta eleição, é claro que será, por razões óbvias —, bate o recorde de ascensão em prazo tão curto e, por óbvio, manda ecos para 2018, na disputa presidencial. Afinal, claro que Geraldo Alckmin se torna um dos vitoriosos dessa disputa.
O que deu tão certo para Doria e tão errado para seus adversários e para os que resolveram mangar de sua candidatura? Bem, os dados estavam todos postos na realidade. Bastava saber montar a equação. E, desta feita, vamos admitir: Alckmin, que bancou o seu nome, soube ler o jogo, e o próprio Doria também.
Político ou não político?
É claro que a política tradicional e os políticos conhecidos vivem uma fase de fadiga. Com todas as virtudes que a Lava Jato possa ter, provoca também efeitos negativos — a exemplo de tudo na vida. Nada no mundo caminha num único sentido. Assim, ser um candidato outsider era um ativo nesse cenário. Ocorre que o mal dos outsiders consiste, justamente, em desafiar os cânones da política, fazendo bobagem, por inexperiência ou açodamento. E Doria, nesse caso, não errou por um motivo óbvio: não é tão outsider assim.
Filho de político, como ele próprio lembrou, enfronhado nesse mundo desde a juventude, ele conhece os bastidores da vida pública como poucos. No debate da Globo, a esquerdista Luiza Erundina (PSOL) resolveu chamá-lo — ou xingá-lo, na cabeça dela — de “lobista”. Ele não se abalou, não alterou a voz, não se irritou. Deu uma resposta educada, elegante, e marcou a diferença de visão de mundo entre os dois. De fato, ao organizar o Lide, o Grupo de Líderes Empresariais — com suas várias ramificações —, Doria investe numa militância que é de caráter associativo. Lobby? Digamos que seja um lobby em favor das virtudes da livre iniciativa. Erundina deve achar isso um crime. Em todo o mundo democrático, é uma virtude.
Por que faço essa observação? Porque o não político João Doria, como ele mesmo se define, tem, obviamente, mais experiência política do que a grande maioria dos… políticos. E, na sua atividade, há uma exigência com a qual Erundina nunca precisou lidar: as iniciativas têm de dar resultado. Quem acompanhou os bastidores da campanha atesta: em vez de ir fazendo desafetos no meio do caminho, Doria foi agregando pessoas. Não houve um único dia de crise.
Ao se dizer um “não político”, contra a evidência de que pertence a um partido e é um afilhado de Alckmin, está apenas chamando atenção para o fato de que, até agora, aos 58 anos, não dependeu dessa atividade para sobreviver. Não disputou cargo nenhum nem posições de mando na legenda. Nessa medida, não é, obviamente, um político tradicional. E boa parte do Brasil, com efeito, não quer políticos tradicionais.
Há mais a explicar a sua ascensão meteórica.
Repúdio ao PT, mas com cara nova
São Paulo, na sua maioria, não gosta do PT e dos seus métodos. Basta ver o resultado nas eleições no Estado e na cidade — inclusive as federais. Com segundo turno, Luiza Erundina não teria sido eleita em 1988. Fernando Haddad conseguiu chegar lá em razão de circunstâncias muito específicas, que nem cabem neste texto. Marta Suplicy venceu em 2000 com o voto de repúdio do eleitorado tucano a Paulo Maluf. Doria conseguiu encarnar, sim, a rejeição da maioria da cidade ao PT e ao prefeito, mas sendo a expressão de uma novidade também no tucanato. Desde 2002, José Serra e Geraldo Alckmin se alternam como os nomes do partido à Prefeitura e ao governo do Estado.
Desta feita, havia um tucano na parada — e o eleitorado do PSDB é grande, como se sabe —, mas havia também uma outra cara, em que não se conseguia colar facilmente uma pecha. No máximo, tentaram o “coxinha”, “empresário”, “lobista”. Tudo inútil. Se observarem, o próprio Alckmin, um “tradicional”, ficou longe da TV. Num cenário, reitero, de fadiga dos políticos, era o “desconhecido” Doria, mas com bastante tempo na TV, contra os “conhecidos” Haddad, Marta, Russomanno e Erundina. Até Major Olímpio (SD), se tivesse o que dizer, poderia ser considerado experiente.
Campanha impecável
A campanha de Doria até aqui — e vamos ver como será no segundo turno, se houver — foi impecável. Sem alarde, inaugurou uma estética nova nas disputas, em que o povo não aparece como animalzinho amestrado, servil ao nhonhô, grato porque “ganhou” isso ou aquilo no passado, inclusive do próprio Doria. Para a sua sorte, ele não tem um passado nesse caso. Assim, fez uma campanha que foi quase sempre propositiva. Quando o eleitor apareceu na televisão, foi sempre numa condição altiva, não choramingas.
Há mais: ele próprio, já apontei isto aqui, não fez concessões à agenda politicamente correta, inclusive a da imprensa. Não teve receio de falar com dureza, clareza, mas sem histeria, contra a invasão de propriedades, contra o absurdo programa “Braços Abertos”, contra os “pancadões” e pichadores, contra o “ciclofetichismo” — que é coisa diferente de um programa de mobilidade que contemple as bicicletas —, contra, em suma, esse “bicho-grilismo new age” representado pela figura de Fernando Haddad. Num dado momento, cheguei a imaginar que Marta teria a coragem de também comprar essa briga, mas a coisa parou no meio do caminho.
O terceiro elemento a destacar na campanha tem a ver com a figura do próprio Doria. É uma pessoa naturalmente educada. Não é uma figura contra quem se possa ter uma reação furiosa, como a tentada por Luiza Erundina no debate da Globo. Alguém tem dúvida de que, ao desferir aquele ataque, Erundina acabou se queimando, e ele ganhou pontos? Ninguém bate na “bisa”, né?, nem quando ela fala inconveniências. E ele não bateu. Mesmo as críticas à gestão Haddad sempre foram muito sóbrias. O “bravo” era Major Olímpio, se é que me entendem… Contra tudo e contra todos.
Doria será um bom prefeito?
Não sei. Tomara que sim! A cidade merece. Os paulistanos merecem. Se isso acontecer, um novo modelo de política pode se consolidar: menos estridente, mais civilizado, voltado às soluções segundo regras da economia de mercado, que funciona, e, obviamente, segundo as leis.
Doria não é bobo e sabe que não conseguirá na Prefeitura a celeridade e eficiência que obtém em suas empresas, nos negócios. A razão é simples: ele não estará lidando apenas com gestores. Para parte daquilo que pretende fazer, terá de contar com o apoio da Câmara dos Vereadores, que não lembra um convento — ou lembra, mas daqueles de Eça de Queirós. Mais: um bom gestor na iniciativa privada se antecipa a problemas. O desejável é que o administrador público faça a mesma coisa. Só que, nesse caso, as demandas são múltiplas e costumam gritar primeiro.
Não será, como prefeito, tão rápido com é como um empresário porque parte não dependerá da sua vontade e da sua disposição. Mas é articulado, mantém diálogo com os políticos e com os empresários e certamente buscará estabelecer as pontes institucionais de diálogo com os que decidirem lhe fazer oposição.
A sua vitória é a vitória da civilidade política. Para o bem de São Paulo e do Brasil, a gente deve torcer para que seja bem-sucedido.