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Reinaldo Azevedo

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Para o STF, a Receita, órgão que abriga o corrupto Carf, pode quebrar o sigilo de quem quiser

Acho que as coisas estão tomando um rumo ruim. Lamento ter de constatar isso. Uma coisa é uma corte suprema decidir segundo valores gerais da Carta quando a dita-cuja é omissa a respeito deste ou daquele assunto. Outra, distinta, é tomar o lugar do Congresso em matérias que estão explicitadas na Constituição ou em leis que não tiveram declaradas a sua inconstitucionalidade

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 30 jul 2020, 23h30 - Publicado em 18 fev 2016, 22h30
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  • Daqui a pouco, o único parâmetro do exercício do direito no Brasil serão os bandidos. Todos nós, cidadãos comuns, seremos expropriados das garantias de um estado democrático porque os larápios tomaram o poder de assalto. As coisas estão assumindo um caminho perigoso. O Supremo passou, a meu ver, a legislar abertamente, de forma desabrida e sem rodeios.

    Na quarta, a Corte decidiu que os condenados em segunda instância já começarão a cumprir pena, embora o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição assegure que ninguém é culpado até que a sentença não tenha transitado em julgado — o que supõe passar pelo juízo da terceira instância.

    Nesta quinta, quem dançou foi o Inciso X do mesmo artigo. Lá está escrito:
    “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

    Sempre se entendeu que o sigilo bancário faz parte dessa “intimidade” e que, portanto, só pode ser quebrado com autorização judicial. Não mais!

    Já são seis os ministros do Supremo que decidiram que a Receita Federal pode cobrar que as instituições bancárias forneçam dados de seus correntistas. E ponto. Teori Zavascki até teorizou sobre o que chamou de “fetichismo do sigilo”. Votaram a favor do “compartilhamento” os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Carmem Lúcia, Rosa Weber e Teori. Compartilhamento é o eufemismo para quebra extrajudicial de sigilo.

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    Oh, leitor, não! Eu não tenho medo nenhum! A essa altura, alguns vagabundos que desprezo é que devem estar com friozinho na barriga. A questão não é pessoal. É de princípio.

    Um dos maiores escândalos da República se dá justamente no Carf, um órgão da sacrossanta Receita Federal, não é mesmo? Pessoas as mais vetustas, encarregadas de analisar recursos sobre multas aplicadas pelo órgão, estavam por aí, a vender pareceres, cobrando propinas milionárias para cumprir seu dever funcional.

    Na campanha eleitoral de 2010, o sigilo fiscal de familiares do então candidato do PSDB à Presidência, José Serra, foi violado nas agências da Receita de Santo André e Mauá. Outras cinco pessoas ligadas ao partido tiveram sua vida fiscal escarafunchada de forma ilegal.

    E é esse órgão que vem pedir o poder discricionário para acessar contas bancárias à vontade? Mas que se note: ainda que lá só houvesse vestais comprovadas, acho que não se deveria dar ao órgão tanto poder. Até porque a Justiça está aí e sempre poderá ser acionada, não é mesmo? Não sendo a Receita, como não é, um convento das freiras dos pés descalços, parece-me claro que se trata de uma exorbitância.

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    É evidente que não dá para aceitar. E noto que o nosso Supremo está ficando especialista em legislar, não é mesmo?

    – O Artigo 226 da Constituição diz que a família é formada por homem e mulher. O Supremo decide que não vale.
    – O caput do Artigo 5º garante o direito à vida, e o Código Penal estabelece as duas condições em que se exclui o crime no caso de aborto: risco de morte da mãe e estupro. Mas também no caso de fetos anencéfalos, acrescenta o Supremo.
    – O Inciso LVII do Artigo 5º diz que alguém só é culpado depois de a sentença ter transitado em julgado. O Supremo exclui a terceira instância.

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    – O Inciso X do mesmo artigo assegura o sigilo bancário. O Supremo dá à Receita o poder de quebrá-lo sem autorização judicial.
    – A Constituição não exige votação aberta para a eleição de comissões na Câmara, e artigo do Regimento da Casa assegura o procedimento sigiloso. O Supremo decide o contrário.

    Acho que as coisas estão tomando um rumo ruim. Lamento ter de constatar isso. Uma coisa é uma corte suprema decidir segundo valores gerais da Carta quando a dita-cuja é omissa a respeito deste ou daquele assunto. Outra, distinta, é tomar o lugar do Congresso em matérias que estão explicitadas na Constituição ou em leis que não tiveram declarada a sua inconstitucionalidade.

    De novo: meu temor pessoal é zero. Mas me parece evidente que a decisão do Supremo vai abrir um próspero mercado para a chantagem, não é mesmo? Não houvesse a instância judicial para autorizar a quebra, vá lá… Mas há. Para tanto, é preciso que haja uma investigação.

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    Por que a Receita quer esses dados se não há procedimento nenhum? Para ver se existe alguma coisa? Ora, isso permitirá, obviamente, a seleção de alvos.

    Não! Eu não acho que o órgão em que se quebraram sigilos de pessoas próximas de um candidato à Presidência e que abriga um departamento que está no centro de uma falcatrua bilionária mereça ter essa licença.

    E também acho que o Supremo precisa parar de legislar.

    Nota: a morte de Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte americana, rendeu uma porção de homenagens no Brasil. Scalia ficaria escandalizado com o que se faz por aqui. Alguns dos que o saudaram, diga-se, acham que esse negócio de garantia legal é pura bobagem.

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