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A armadilha do identitarismo

As lições que emergiram do caso Silvio Almeida

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 set 2024, 11h41 - Publicado em 13 set 2024, 06h00
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  • Na semana passada, Silvio Almeida foi afastado do governo por causa de uma denúncia de crime sexual; desde então, já apareceram mais duas. São denúncias graves, e a Polícia Federal está investigando o caso.

    Além de grave, o episódio é emblemático de várias maneiras. Almeida, criador da expressão “racismo estrutural” e ex-ministro dos Direitos Humanos, era um representante do identitarismo do tipo que acha que teto de gastos é racista e faz ataques pessoais contra um antropólogo branco (Antonio Riserio) que comete delito de opinião, mas passa pano para um professor negro (Decotelli) que falsifica o currículo.

    Demitido, Almeida agarrou-se ao cargo, usou o ministério para se defender, puxou a carta do racismo, ameaçou cair atirando, prometeu “vingar-se” de seus algozes.

    Ocorre que a denunciante, Anielle Franco, é também ministra, também representante do identitarismo, do tipo que reclama do “racismo ambiental” e acha que “buraco negro” é expressão racista. A agressão de uma mulher por um negro dá um nó cego na ilusão identitária de que o integrante do grupo dominante é sempre culpado, o do grupo minoritário é sempre vítima e as minorias são aliadas naturais — e põe o movimento em parafuso. Mas tem mais.

    Não se sabe se ou quando Anielle levou sua denúncia aos canais competentes. Sabe-se que recorreu a uma ONG, autorizou o vazamento da denúncia anônima, levou o caso à amiga Janja e o ministro caiu em seguida. Mesmo depois da queda de Almeida, Anielle não admite abertamente tê-lo denunciado: tudo o que se sabe sobre o crime é o que foi vazado para a imprensa em off.

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    “A agressão de uma mulher por um negro dá um nó na ilusão de que o integrante do grupo dominante é sempre culpado”

    Janja não tem cargo público, mas se mete em tudo, de reuniões com chefes de Estado estrangeiros a demissão de ministro. É o retrato acabado do nosso patrimonialismo.

    Lula declarou que “alguém que pratica assédio não vai ficar no governo”, mas “é preciso que a gente permita que ele se defenda”. A intransigência de Lula com assédio sexual parece que depende da repercussão pública, porque consta que a Polícia Federal (cujo diretor estava na reunião em que teria havido o crime) sabe do caso desde o início do ano, mas só vai investigar agora. De resto, se Lula queria permitir que seu ministro se defendesse, poderia tê-lo afastado por meio de licença — mas preferiu demiti-lo no mesmo dia, pregando o último cravo no caixão da culpa.

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    Afora o golpe no identitarismo e o desastre que foi a condução do episódio, o affair Silvio Almeida traz muito o que pensar sobre a maneira pela qual se dá (ou não) o debate público atual. Almeida foi destruído nas redes antes que sequer se entendesse qual era a acusação. O necessário debate sobre como tratar de crime sexuais — em que é preciso proteger e dar crédito à vítima sem sacrificar a presunção da inocência — foi inviabilizado pela comoção pública.

    A cultura do cancelamento, criada pelo identitarismo e turbinada pelas redes, se alastrou, e nosso reflexo generalizado é xingar antes e fazer perguntas nunca. Isso provoca injustiças, destrói reputações, interdita o debate, alimenta a polarização e põe em risco a democracia.

    Precisamos escapar dessa armadilha.

    Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910

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