A humanidade está diante dos dois maiores desafios que já enfrentou. Um, herança do século XIX, é o modelo de exploração desenfreada de recursos minerais, que joga na atmosfera bilhões de toneladas de CO2 (e outros gases) por ano. Todos sabemos a gravidade do problema: segundo a Quaest, 99% dos brasileiros associam a tragédia no Rio Grande do Sul à mudança climática.
Apesar de sabermos que precisamos mudar nossa conduta, seguimos — como o fumante que admite a conexão entre fumo e câncer, mas continua fumando — vivendo da mesma maneira. “Dai-nos a sustentabilidade e a continência, mas não agora”, poderia dizer Santo Agostinho.
Lula defende o fim do combustível fóssil, mas investe em exploração e refino de óleo. Não há campanha de conscientização para estimular álcool combustível, energia solar nas residências, economia de água e de eletricidade, separação de lixo etc. Fala em desmatamento zero, mas não há projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. O Congresso insiste em aprovar projetos contra o meio ambiente e até hoje não regulamentou o mercado de crédito de carbono. Não existem metas, plano ou cronograma.
O problema é planetário, reconheça-se, mas o Brasil tem características que deveriam nos tornar um exemplo a seguir. No entanto…
“Há enorme especulação sobre se a revolução tecnológica nos dará o paraíso ou a destruição”
O outro desafio vem de um futuro que já começou. Esta semana, a OpenAI lançou a nova versão do ChatGPT, a ferramenta de inteligência artificial mais avançada do mercado. O GPT-4o lê, escreve, ouve, fala, enxerga, reconhece objetos, bate papo (permite ser interrompido), tem senso de humor, demonstra emoção e sabe até cantar.
Há enorme especulação sobre se o admirável mundo novo da revolução tecnológica nos dará o paraíso ou a destruição. Ou uma coisa e depois a outra. O que é certo é que a mudança será brutal e muito rápida. Certas indústrias, como a da música ou a imprensa, já viraram pelo avesso, e muitas outras virarão. Estudo recente do FMI indica que 40% dos empregos do mundo serão afetados.
A humanidade viu um filme parecido no século XIX, quando um mundo rural e agrário se tornou urbano e industrial de repente. Comparada à revolução tecnológica de hoje, a Revolução Industrial aconteceu em câmera lenta, dando tempo para que as pessoas se adaptassem. Hoje, assalariados perdem o emprego e recorrem ao Uber (onde ganham uma fração do que ganhavam antes) como tábua de salvação. Em breve os carros serão automáticos, dirigidos por inteligência artificial, e não se sabe se haverá tábua de salvação.
Quando surge algo novo, como o Uber, o governo tenta enfiar os motoristas de aplicativo na camisa de força da CLT, paradigma superado há tempos. Enquanto o GPT-4o lê e escreve em cinquenta idiomas e conhece matemática avançada, o Brasil segue na rabeira do Pisa, ensinando um português ruim e uma matemática pior.
Há muito a fazer para superar os desafios atuais. Um bom primeiro passo é (re)ler A Marcha da Insensatez, em que a historiadora Barbara Tuchman estuda o que leva governos a promover políticas que acabam por destruí-los (e aos cidadãos que governam).
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893