O ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), foi indiciado por desvio de dinheiro público. O brutal desgaste para o governo era evitável: as denúncias que fundamentam o indiciamento estão na imprensa desde o ano passado, e o ministro poderia ter sido substituído discretamente há tempos.
Lula diz que Juscelino tem o direito de se defender (claro, mas por que tem o direito de se manter no cargo enquanto o faz?) e insiste em manter o ministro por causa do apoio do União Brasil que recebe no Congresso. Só que o União Brasil não apoia o governo no Congresso.
Juscelino não é o único escândalo da semana: dias antes, foi identificada fraude no leilão de arroz da Conab. Lula deu ao secretário de Política Agrícola, Neri Geller, o direito de ir se defender no olho da rua. O governo tentou dizer que o secretário saiu porque quis… mas Geller desmentiu.
Junto com o escândalo de Juscelino, houve um terremoto na economia. Rodrigo Pacheco devolveu a MP do PIS/Cofins, subtraindo os 29 bilhões com que Fernando Haddad pretendia fechar as contas do governo. O ministro jogou a toalha: “não tenho plano B”.
Lula contribuiu para o “debate”: alertou que “o mercado não é uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade” (o que é óbvio). E deixou claro que não pretende cortar custos.
Entidade não apartada da política e da sociedade que é, o mercado reagiu. O dólar passou de R$ 5,40 e a bolsa caiu abaixo de 120 mil pontos (os piores patamares desde o início do ano). Lula, apartado da confusão, embarcou no mesmo dia para mais uma temporada na Europa, deixando o abacaxi para um Haddad desgastado e sob intenso fogo amigo.
O recado da entidade não abstrata foi ouvido: no dia seguinte, Haddad e Tebet defenderam, pela primeira vez, corte de gastos. O problema é que, sem o apoio efetivo de Lula, o anúncio não vale nada. E o único apoio que apareceu foi um protocolar elogio a Haddad.
Lula têm coisas mais importantes em que para pensar. Enquanto Haddad e Tebet encaravam o abacaxi, Lula defendeu a criação de um “projeto de inteligência artificial do Sul Global” e afirmou que “a inteligência artificial é a esperteza de algumas empresas que acumulam conhecimento de todos os seres humanos. E com a acumulação desses dados sem pagar um único centavo de dólar ao povo, conseguem fazer o que estão fazendo no mundo”.
Enquanto Lula explicava sua singular concepção do que é inteligência artificial ao mundo, o Congresso, com o beneplácito do governo e o apoio do PT, aprovava, na surdina, o medieval PL do aborto. “O projeto que equipara aborto a homicídio não é de interesse do governo”, explicou o líder do governo. Depois, Lula classificou o projeto como “uma insanidade”, mas prometeu vetá-lo se for aprovado.
O governo Lula se mostra leniente com a corrupção, mau articulador no Congresso, insensato na economia, incapaz de compreender a modernidade e indiferente aos direitos humanos. E ainda é contraditório na pauta ambiental.
Está na hora de Lula arregaçar as mangas, reunir-se com seus melhores ministros e montar um plano de governo que demonstre valores e objetivos. E levar o plano a sério.
O caminho atual não leva a bom termo.
(Por Ricardo Rangel em 16/07/2024)