O Brasil enfrenta milhares de focos de incêndio, que se misturam com uma seca extrema, levando ao registro de fatos inéditos: fumaça em todo o país; chuva negra; o ar mais irrespirável do mundo (em São Paulo); 40 graus no inverno (no Rio); umidade relativa do ar em nível saariano em mais de 200 cidades; rios secando e ameaçando o funcionamento de hidrelétricas.
O país deveria estar preocupado, discutindo a sério como enfrentar o problema. Mas não. Na semana passada, houve marchas pelo clima em vários países do mundo, mas o Brasil mal tomou conhecimento: apenas 4 000 pessoas compareceram à passeata de domingo na Avenida Paulista (ante 45 000 no comício de Jair Bolsonaro, o patrono mundial da destruição do meio ambiente). Igualmente indiferente ao problema, o Congresso, pressionado pelo agronegócio, segue desmontando a legislação ambiental.
Nesta semana, Lula foi à ONU, onde fez belo discurso. Afirmou que o desmatamento caiu pela metade em seu governo — é verdade e é louvável, mas a queda ocorreu em relação aos catastróficos números do governo Bolsonaro. Continuamos com desmatamento alto e entre os principais emissores de gases de efeito estufa do mundo; neste mês, a Amazônia foi a região do planeta onde houve mais emissões.
Lula prometeu erradicar o desmatamento até 2030. Não se sabe se ou como conseguirá isso — a julgar por sua atitude antes e durante os incêndios, é difícil acreditar. A questão das queimadas no Pantanal se agrava há anos, mas, em 2023, o governo reduziu a verba para o combate ao problema (aumentou agora). Lula denuncia incêndios criminosos e quer aumentar a punição contra os incendiários (o Congresso resiste) — o.k., mas onde estão eles? Quantos a Polícia Federal prendeu? Por outro lado, Lula trabalha contra a lei europeia antidesmatamento, que barrará produtos importados vindos de áreas desmatadas — ou seja, estimula os desmatadores.
“Agora, na crise, o presidente anunciou que vai criar a Autoridade Climática, mas parou no anúncio”
Lula gabou-se de que “somos um dos países com a matriz energética mais limpa” e que “fizemos a opção pelos biocombustíveis há cinquenta anos”. O.k., só que, dada a questão do desmatamento, nenhuma nova usina hidrelétrica será construída, de modo que toda energia nova virá principalmente de sujas termelétricas. O governo nem sequer faz campanha para conscientizar a população a consumir álcool combustível ou instalar placas solares em telhados.
Lula quer “trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, mas investe em refinarias (o que não faz sentido nem econômico), quer expandir a fronteira petrolífera e desautoriza a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Essa área tem que ser prioridade em todo o governo, e esse seria o papel da Autoridade Climática, uma entidade prometida em 2022 e logo esquecida. Agora, na crise, Lula anunciou que vai criá-la — mas parou no anúncio.
Lula afirmou na ONU que “o meu governo não terceiriza responsabilidades”. Pois está na hora de Lula parar de tratar o meio ambiente como peça de marketing e assumir as tais “responsabilidades”.
Quem sabe assim o resto do país faz a mesma coisa.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912