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O que fazer com as Forças Armadas

Se elas não forem democratizadas, novas tentativas de golpe virão

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h20 - Publicado em 23 fev 2024, 06h00
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  • Como se sabe, não houve golpe de Estado no Brasil porque as Forças Armadas não aderiram. Mas as evidências apontam como conspiradores no mínimo cinco oficiais de quatro estrelas, incluindo um ex-comandante do Exército e o então comandante da Marinha. O total de fardados envolvidos é incontável.

    E há os que tiveram posição ambígua. O então comandante do Exército, general Freire Gomes, aparentemente teve acesso à trama, mas nada fez. Seu sucessor, Arruda, descumpriu ordem judicial e impediu o desmonte dos acampamentos, dando fuga aos golpistas. E descumpriu ordem superior, recusando-se a revogar a nomeação de Mauro Cid.

    Nossas Forças Armadas nunca foram uma instituição democrática. A começar pela “Noite da Agonia”, em 1823, tivemos mais de uma dúzia de golpes ou tentativas de golpe. Até hoje, os militares negam ter havido golpe em 1964, dizem que a ditadura “salvou” a democracia e atribuem a tortura a “uma guerra” (além de absurdo, é mentira). O tuíte do então comandante do Exército, Villas Bôas, ameaçando o Supremo, é de 2018.

    Com Bolsonaro, foram incontáveis os atos, declarações e ameaças antidemocráticas por parte de militares. A única defesa enfática da democracia veio do general Tomás Paiva na véspera de ser promovido a comandante do Exército (noves fora a menção a Bolsonaro como “nosso candidato”).

    Consta que, dos dezesseis integrantes do alto-comando, entre quatro e seis estavam no golpe. E que o golpe não saiu porque generais que comandavam tropas, como Paiva, Fernando Soares, André Novaes e Richard Nunes, se recusaram a apoiá-lo (é significativo que generais legalistas mereçam ser celebrados).

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    “O poder civil precisa ter um plano claro para a Defesa. Isso exige negociação e tomará tempo”

    Mas, e se os tais golpistas estivessem à frente de tropas? Ou se o presidente americano fosse Trump? Se Lula tivesse convocado uma GLO? Se algum general doidivanas botasse a tropa na rua, como em 1964?

    Se não democratizarmos as Forças Armadas, novos golpes virão. Mas como fazer isso? Não pelo apaziguamento, adotado por Lula, que dá aos militares tudo o que querem, mostrando que a ameaça golpista é eficaz. E não pelo que a Polícia Federal parece querer, a punição de qualquer um que não tenha tido comportamento irretocável (a começar pelos comandantes “omissos” que não aderiram ao golpe). Uma caça às bruxas não tornará os militares democráticos, mas (mais) ressentidos. Mais golpistas.

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    O poder civil precisa ter um plano claro para a Defesa. Precisa assumir as escolas militares: é lá que soldados aprendem que os golpes do passado foram atos heroicos, que civis não são de confiança, que democracia não funciona, que comunismo ainda existe, que estrangeiros querem invadir a Amazônia, que as FFAA são o poder moderador. Militares só devem poder ocupar cargos públicos em funções da Defesa. São providências que exigem negociação e tomarão tempo.

    O que não pode ser negociado, e é o mais importante, é a punição dos cabeças, civis e militares, da conspiração. Tem que ser na forma da lei, rápida e exemplar.

    Quando os brasileiros entenderem que golpe dá cadeia até para general de quatro estrelas da ativa, a tradição de golpe no Brasil acabará.

    Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881

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