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O relatório da CPMI (e os militares)

Faltaram propostas concretas para remediar o golpismo

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h18 - Publicado em 20 out 2023, 06h00

A CPMI chegou ao fim com relatório pedindo o indiciamento de Jair Bolsonaro e de mais sessenta supostos golpistas. Metade são militares, incluindo oito oficiais-generais, sendo seis de quatro estrelas, três ex-comandantes de Forças. É uma página triste e vergonhosa para o Brasil e para as Forças Armadas em particular.

Segundo consta, generais fora da lista não gostaram. Malu Gaspar, do Globo, listou algumas das palavras usadas: “uma fantasia que não para em pé, uma verdadeira pedalada jurídica”, “espetaculoso”, “patético”, “horrível”, “vingança”.

A reação é equivocada. Primeiro, porque indiciamento é só o que o nome diz: há indícios que justificam investigação — e há, mesmo. Segundo, porque, em vez de se preocuparem com o relatório, deveriam se preocupar com o fato de que há, indiscutivelmente, muitos militares envolvidos em crimes contra a República. A solidariedade a colegas de farda não deveria suplantar a solidariedade à pátria. Dito isso, não tem cabimento que G. Dias, o único general “do outro lado”, contra o qual há fortíssimos indícios, tenha ficado fora da lista.

Os militares brasileiros têm três tradições centenárias: golpismo, ascendência sobre o Poder Civil e inimputabilidade. O golpismo foi praticado intensa e ostensivamente nos últimos quatro anos. A ascendência sobre o Poder Civil se viu na própria CPMI, com o lobby do ministro da Defesa e do comandante do Exército para que generais fossem poupados do desgaste de depor. A inimputabilidade está em xeque pela primeira vez, e a resposta é a ameaça velada que volta e meia aparece: “olha lá, não mexe muito, não, porque senão a gente vira a mesa de novo”. (Se isso fosse possível, os golpistas teriam virado.)

“A inimputabilidade está em xeque pela primeira vez, e a resposta é a ameaça velada que volta e meia aparece”

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O relatório não peca por ser duro, mas por ser suave: a CPMI aprofundou pouco o que já se sabia, não revelou fato novo e poupou até certo ponto os militares. Poderia ter descoberto muito mais e responsabilizado muito mais gente. E feito propostas concretas para remediar o golpismo. Três são óbvias e urgentes. É preciso reescrever o artigo 142 da Constituição. É preciso proibir que militares da ativa ocupem qualquer cargo governamental não ligado à Defesa.

E é preciso reformular os currículos das escolas militares: militares não nascem golpistas, é na escola que aprendem. Precisam parar de aprender que militares são superiores a civis; que existe comunismo e que ele é uma ameaça; que potências estrangeiras querem invadir a Amazônia; que democracia não é confiável, que ditadura é melhor.

De toda forma, o relatório tem o mérito o sistematizar as provas, listar os responsáveis e emprestar ao assunto o peso do Poder Legislativo. Também torna mais simples o trabalho da PF, do MPF e do Supremo. Não é pouca coisa.

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A CPMI pode ter acabado, mas a novela está longe de acabar. Ainda falta um longo caminho até condenar os responsáveis (quando isso ocorrer, os generais terão novas e mais fortes cólicas). E o caminho até a pacificação do país será ainda mais longo e pedregoso. E ainda nem começamos.

Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864

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