O STF anda generoso. O ministro Dias Toffoli anulou — monocraticamente — as condenações de Marcelo Odebrecht (que já chamou o ministro de “o amigo do amigo do meu pai”). Mas manteve válida sua delação. Que é justamente a base para os tais atos. A causa continua valendo, os efeitos sumiram.
Não é a primeira vez que Toffoli inventa uma dessas. Há algum tempo, o ministro suspendeu — monocraticamente — multas contra a Odebrecht e a J&F. Mas manteve válidos os acordos de leniência que as ensejaram. Também daquela vez, a causa continuou valendo, mas os efeitos sumiram.
Quer dizer, sumiram os efeitos nocivos para as empresas; os positivos, como poder prestar serviços para o governo, se mantiveram. Como esses acordos eram resultado em parte da delação de Marcelo Odebrecht, é providencial que sua delação siga valendo.
Nos últimos tempos, a única coisa de consistente nas decisões do Supremo parece ser a inconsistência. Há cerca de um ano, Ricardo Lewandowski — monocraticamente — derrubou uma lei aprovada pelo Congresso em 2016 e permitiu que o governo pudesse nomear qualquer aventureiro para diretor de estatal. Duas semanas atrás, o plenário do Supremo derrubou a lei, mas decidiu que os aventureiros podem ficar nos cargos. Anulou a causa, manteve o nefasto efeito.
Pegando carona na maré de generosidade do Supremo, o TSE mudou de rumo e absolveu Sérgio Moro. Foi a melhor decisão, mas a gente se pergunta se é uma maneira de contrabalançar o resto. Uma espécie de um passo à frente, três atrás.
A Lava-Jato jaz a sete palmos de profundidade e não parece longe o dia em que o Estado brasileiro vá devolver aos corruptos o dinheiro que, acreditávamos, havia sido recuperado. Com juros, correção monetária e um pedido formal de desculpas.
Seguindo a onda de generosidade no Judiciário, o TRE/RJ absolveu o governador Claudio Castro, seu vice e o presidente da Assembleia Legislativa, todos enrolados no maior escândalo de desvio de dinheiro público dos últimos tempos. Vai haver recurso: vamos ver se o TSE será generoso como foi com Moro (e, em outros tempos, com outros ex-governadores fluminenses).
Há pouco tempo, o Judiciário foi a única instituição a defender sem rodeios a democracia. Hoje presta a essa mesma democracia um desserviço: ao dar a impressão de que a democracia não funciona (ou que só funciona a favor dos ricos e poderosos), o Judiciário a enfraquece.
E fortalece o golpismo bolsonarista que julga combater.
(Por Ricardo Rangel em 24/05/2024)