Depois de vencer uma licitação, uma construtora superfaturou os valores dos serviços para tirar vantagem. Para conseguir um contrato, outra empresa subornou um funcionário público. Situações como essa, infelizmente não tão raras como deveriam ser, podem ser combatidas por prefeituras com mais eficácia há quatro anos, desde que a Lei Anticorrupção entrou em vigor.
Porém, para que as prefeituras punam as empresas corruptoras com mais celeridade, os municípios devem implementar a legislação, seja por decreto do prefeito ou lei municipal. Segundo dados do Ministério Público (MP), apenas 22 cidades do Rio Grande do Sul, que representam 4% dos 497 municípios do estado, possuem a versão local da lei que facilita a punição administrativa, que vai de multa à exclusão de processos licitatórios.
“A Lei Anticorrupção é uma legislação muito avançada, uma das mais eficientes no combate à corrupção. Com a lei, as empresas passaram a responder de forma objetiva pelos crimes. Quando uma empresa é pega em flagrante, ela deve imediatamente ressarcir danos ao erário. A lei responsabiliza a empresa, não importa se foi responsabilidade o alto dirigente ou do porteiro. Se ocorrer o dano, a empresa vai ter que ressarcir e estar sujeita à penalidade”, explicou a VEJA o advogado Ricardo Coelho, presidente da Comissão de Combate à Corrupção da OAB-RS (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santa Maria, cidade onde também é professor universitário de direito.
Coelho atua também na área de compliance, área de regulação interna de empresas, por isso defende que a lei colabora também com negócios privados, que passam a adotar mecanismos internos de controle. Algumas licitações públicas já exigem que as empresas possuam o setor de compliance, explica o advogado.
Ainda assim, a maioria das cidades gaúchas não possui a Lei Anticorrupção local. Nem mesmo a cidade mais importante, a capital do estado, conta com legislação que entrou em vigor ainda em 2014 em nível federal. Porto Alegre não possui sua Lei Anticorrupção, mas o projeto está sendo desenvolvido pela Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC), pasta criada em setembro de 2017, pela gestão do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB). Segundo o secretário da SMTC, Sandro Trescastro Bergue, o projeto será enviado para análise ainda nesta semana.
Se 96% das cidades gaúchas ainda não tem regulamentação própria para punir empresas corruptoras, tampouco no governo estadual a lei estadual também não foi implementada. O deputado estadual Thiago Simon (MDB) é o autor de um projeto de 2015, ainda sem aprovação. “O projeto enfrenta um debate entre os órgãos da administração pública, que discutem de quem seria a competência para aplicar a lei”, opina Coelho. Em São Paulo, por exemplo, tanto a capital como o estado já contam com essa legislação.
Enquanto isso, o governo federal iniciou 183 processos contra empresas e 30 negócios privados já foram punidos, conforme dados da Controladoria-Geral da União (CGU). Não há nenhuma empresa gaúcha entre as punidas pela União. A CGU, assim como o MP do estado, criou cartilhas e modelos de decretos para auxiliar as prefeituras e governos estaduais na implementação da lei.
“Existe forte resistência cultural. São questões novas que mudam os paradigmas. As sanções passam ser administrativas e o poder público recupera o prejuízo com as multas. O que poderia justificar a ausência da lei? Interesse privado ou desconhecimento”, opina o advogado.
De acordo com Coelho, há confusão com outras leis como a lei da improbidade administrativa, que se aplica ao agente público e não ao privado, como na lei anticorrupção.