A obrigação do Santander em realizar duas novas exposições sobre o tema da diversidade como parte do acordo assinado com o Ministério Público Federal (MPF) é “censura prévia” e uma “lista de regras”. Essa é a opinião de Gaudêncio Fidelis, curador da mostra “Queermuseu”, fechada pelo banco em Porto Alegre um mês antes do previsto após protestos contrários à exposição. O MPF também concluiu que a mostra não fazia apologia à pedofilia e à zoofilia, como apontavam grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL).
Para o curador, a determinação de que as novas exposições do Santander abordem necessariamente a “intolerância” e o “empoderamento feminino” é “absurda”. “É uma lista de regras sobre como os curadores devem pensar, o que podem fazer. Detesto a palavra, mas isso se chama censura prévia. Imagino como os futuros curadores vão trabalhar: ‘não vamos fazer isso, não vamos fazer aquilo’. Um dos resultados do fechamento desastroso do Santander é também a autocensura. Não há como ter uma exposição legitimamente livre, não é possível”, criticou Fidelis.
O procurador da República responsável por responsabilizar o Santander, Enrico Rodrigues de Freitas, discorda de que a indicação temática seja censura. “Não gostaria de polemizar dessa forma com o curador, ele tem o direito de crítica. Porém, não compreendo como censura, mas como indução de debate sobre certos assuntos. Ocorreu um episódio de intolerância [dos grupos contrários à mostra]. O tema da intolerância é muito atual e a ideia é promover esse debate. Muito longe de censura, há liberdade total. Se não tivesse posto o tema, seria apenas o prosseguimento normal da agenda do Santander”, explicou Freitas em entrevista a VEJA.
O texto determina a “livre e exclusiva criação e concepção artística do curador que será por ela responsável”. O documento também foi assinado pelo presidente do Santander Cultural, Marcos Madureira. Procurado para comentar o assunto, o Santander não quis se manifestar.
Segundo o texto do termo, uma das novas exposições deverá abordar a intolerância “em quatro eixos de forma equânime, quais sejam: (a) gênero e orientação sexual; (b) étnicas e de raça; (c) liberdade de expressão; (d) outras formas de intolerância através dos tempos”, segundo o documento. A outra mostra deve tratar de feminismo e “abordará obrigatoriamente as formas de empoderamento das mulheres na sociedade contemporânea, bem como a diversidade feminina, incluindo questões culturais, étnicas e de raça, de orientação sexual e de gênero, entre outras que o compromissário possa julgar pertinentes”, determina o texto do termo.
Fidelis aponta que as duas novas exposições já estariam programadas e que são “atividade de rotina” e não serviriam de reparação. Para o curador, o ideal seria que o Santander tivesse seguido, à época, a orientação do MPF para reabertura imediata. Como não ocorreu, o MPF deveria ter acionado o Santander judicialmente.
O procurador, porém, argumenta que quando pediu a reabertura também recomendou uma nova exposição sobre a temática. “Se entrássemos na Justiça agora, restaria pedir indenização. Se obtivéssemos uma decisão favorável, talvez acontecesse daqui a dez anos. Nesse caso, qual a resposta social que a gente teria para as pessoas que agiram com intolerância?”, justifica o procurador.