Um pai desesperado entra no escritório de Dom Vito Corleone, chefe da máfia italiana em Nova York, e pede ajuda para vingar a filha com a morte de seus agressores. Corleone, afagando um gato no colo, responde que não pode matá-los porque ela ainda está viva e isso “não seria justiça”, mas promete que dará uma “lição” aos criminosos. Em troca da vingança, o pai oferece dinheiro a Corleone, que se sente ofendido e responde: “Um dia, e esse dia pode nunca chegar, eu vou pedir um favor a você. Até lá, aceita essa justiça como um presente”.
A cena clássica de O Poderoso Chefão, filme de 1972 dirigido por Francis Ford Coppola baseado no livro de Mario Puzo, foi usada como exemplo de corrupção pelo juiz Sérgio Moro, que julga os casos da operação Lava Jato em Curitiba, durante palestra do X Congresso Anual da ABDE (Associação Brasileira de Direito e Economia), realizada em Porto Alegre, na Unisinos, na manhã desta quinta-feira.
“É mais ou menos o que se verificou em vários desses casos de corrupção (que julgou na Lava Jato). Em casos envolvendo corrupção sistêmica pode ser muito difícil identificar, porque talvez não exista, uma contrapartida específica que o agente público oferece ou realiza em troca de uma vantagem financeira. Normalmente, o que se vende é uma influência a ser usada quando as oportunidades surgirem”, disse Moro durante a palestra, após citar a clássica cena interpretada pelo ator Marlon Brando.
Moro argumentou que nem sempre é preciso identificar a vantagem recebida para caracterizar um crime de corrupção. A vantagem pode ser “simbólica”, como no caso de propinas pagas para manter “bom relacionamento” entre políticos e empresas, por exemplo. Segundo o juiz, já existe jurisprudência para condenação mesmo quando não se identifica o motivo da propina, uma vez que se caracteriza por abuso de poder.
Prisão após condenação em segunda instância
Moro também voltou a afirmar que defende a prisão de condenados após julgamento em segunda instância mesmo com recursos da sentença ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). “É extremamente importante. É a reforma processual relevante, que faz a diferença (no combate à corrupção)”, elogiou o juiz sobre a decisão do STF, de 2016.
“O STF, ao meu ver, com a percepção de que era esse quadro de impunidade (recorrer em liberdade) era um dos fatores que aprofundava a corrupção, passou a entender que depois de uma condenação criminal em segunda instância poderia seguir a execução da condenação independentemente de recursos a cortes superiores e que isso não feria a presunção de inocência”, completou Moro.
A prisão após julgamento em segunda instância, defendida por Moro, pode ocorrer com o ex-presidente Lula, que foi condenado pelo juiz a nove anos e meio de prisão. O recurso de Lula no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) deve ser julgado até agosto de 2018. Segundo o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4, a análise do recurso de Lula será “desapaixonada”.