MPF recomenda reabertura imediata da exposição ‘Queermuseu’
Para procurador federal, as obras 'não têm qualquer apologia ou incentivo à pedofilia'. MPF também pede que Santander abra nova exposição sobre diversidade
Por Paula Sperb
Atualizado em 28 set 2017, 20h18 - Publicado em 28 set 2017, 20h13
A exposição continha obras de artistas reconhecidos mundialmente como Candido Portinari, Alfredo Volpi e Lygia Clark. Segundo entendimento do MPF, a exposição deve ficar aberta para visitação até 8 de outubro, a data prevista originalmente para seu encerramento.O Santander tem um prazo de 24 horas para responder se acatará ou não a recomendação. Caso rejeite a orientação sem fundamentação suficiente, a instituição pode ser processada. Procurado por VEJA, o banco ainda não respondeu sobre a recomendação.
“O precedente do fechamento de uma exposição artística causa um efeito deletério a toda liberdade de expressão artística, trazendo à memória situações perigosas da história da humanidade como os episódios envolvendo a ‘Arte Degenerada’ (Entartete Kunst), com a destruição de obras na Alemanha durante o período de governo nazista”, disse Fabiano de Moraes, procurador regional dos Direitos do Cidadão, no documento.
Além disso, o procurador recomenda que o Santander lance uma nova exposição, com recursos próprios, com temática parecida com a da mostra fechada, um mês antes do previsto. A nova exposição deve ser pautada “preferencialmente com temática relacionada à diferença e à diversidade, e que esta esteja aberta aos visitantes em período não inferior a três vezes o tempo que a Queermuseu permaneceu sem visitação – a título de compensação pelo período em que a exposição permaneceu sem acesso ao público em geral”, segundo Moraes. A mostra fechada contou com 800 mil reais do Santander, abatidos de impostos através da Lei Rouanet. O banco estava ciente do conteúdo da mostra quando ela foi aprovada e prometeu devolver o valor ao governo.
O procurador também discorda da interpretação de que as obras incentivam o abuso infantil e de animais. “As obras que trouxeram maior revolta em postagens nas redes sociais não têm qualquer apologia ou incentivo à pedofilia”, afirmou Moraes.
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A Promotoria da Infância e da Juventude, do Ministério Público Estadual, que atua na proteção às crianças, garantiu que não há nenhuma apologia á pedofilia nas obras. “Desde logo, afasto, dessas imagens por si, o aspecto de pedofilia, eis que não contém criança ou adolescente na cena captada ou produzida. Ressalto que não se depreende das imagens, por si, a instigação à prática de ato sexual com o objetivo de satisfazer a lascívia de outrem, elementos fundamentais dos tipos penais do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), antes invocados. Em razão disso, ao menos neste momento, não vislumbro a necessidade de procedimento investigatório criminal”, afirmou o promotor Júlio Almeida.
O MPF recomenda que além de reaberta, a exposição conte com “medidas informativas ou de proteção à infância e à adolescência no que diz respeito a eventuais representações de nudez, violência ou sexo nas obras expostas e também medidas visando a garantia da segurança das obras e dos visitantes”.
As obras incompreendidas
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Travesti da Lambada e Deusa das Águas (acima), criada por Bia Leite em 2013, faz parte da série Criança Viada e tem como objetivo combater o bullying. Segundo catálogo, o próprio título é “emblemático da radical estratégia de ‘retornar’ simbolicamente uma agressão ao universo social do agressor, transformando o preconceito em experiência de alteridade”. Além disso, o curador entende que o termo “viada”, no feminino, ao lado de “criança”, “dessexualiza o xingamento e empodera o sujeito”. “Essas imagens afirmativas de crianças falando em sua própria voz é uma profunda (e contemporânea) afirmação da expressão de gênero e liberdade criativa”, explica Fidelis.
Jesus é retratado exatamente como todos estão acostumados: crucificado. Porém possui inúmeros braços porque foi representado, como diz o título da obra, Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva (acima), em um sincretismo com a divindade hindu. A obra em acrílico, do porto-alegrense Fernando Baril, é de 1996. “As inúmeras pernas e braços da figura reverberam pera superfície da pintura, exibindo objetos de toda a ordem nas mãos e nos pés, muitos deles relacionados direta ou indiretamente à história da arte e à cultura pop: elementos da Guarnica, de Picasso, por exemplo, são seguradas por duas mãos da figura; no aparador, uma espécie de altar adornado por uma falsa renda de plástico colada com fita adesiva, sobre o qual repousa uma pintura de Marilyn Monroe, uma garrafa de Coca-Cola, exaustivamente tematizada ao longo da história da arte, uma lata de sopas Campbells”, diz o texto do catálogo, escrito pelo curador Gaudêncio Fidelis.
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Com 1,2 metro de altura por 1 metro de largura, Cenas de Interior II (acima), pintada por Adriana Varejão em 1994, apresenta marcas que lembram um pergaminho guardado por seus segredos. As cenas onde dois homens se relacionam com uma cabra e dois brancos se relacionam com um negro foram “inspiradas em histórias de iniciação sexual que a artista escutou em Alagoas”, escreveu Adriano Pedrosa no catálogo de uma exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde a obra foi exposta em 2013. “Varejão é leitora de Gilberto Freyre e de suas histórias sobre libertinagem na colonização portuguesa no Brasil”, aponta Pedrosa no material. “Não estamos nem na casa-grande nem na senzala, mas num recinto chinês”, situa o texto.
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