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Editora lançará ‘O Pequeno Príncipe’ traduzido por Mario Quintana

Por não possuir os direitos sobre o clássico da literatura mundial, Melhoramentos guardou trabalho inédito do poeta gaúcho por cerca de setenta anos

Por Paula Sperb
Atualizado em 4 jun 2024, 18h00 - Publicado em 31 jul 2017, 20h00

Repleta de anotações à mão e redigida em uma máquina de escrever, a única cópia da tradução do escritor Mario Quintana (1906-1994) para o clássico O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), levou quase 70 anos para vir a público.

Inédita, a tradução está em processo de edição e será lançada em breve pela editora Melhoramentos. O lançamento coincide com as comemorações de 111 anos do nascimento do poeta nascido em Alegrete (a 440 km de Porto Alegre). Foi nos arquivos da editora que o copião permaneceu guardado, por volta de 1950 até os dias de hoje.

Mas nem sempre a tradução esteve perdida. A atual gerente editorial da Melhoramentos, Leila Bortolazzi, trabalhava há pouco tempo na editora quando, em 1981, encontrou uma pasta envelhecida em meio a outros projetos. “Bati os olhos na pasta e comecei a folhear. Eu li a capa. Estava escrito O Pequeno Príncipe – Tradução de Mario Quintana. Eu disse: ‘Espera, acho que não li direito’. Meu coração disparou”, relembra Bortolazzi.

Quintana traduziu mais de cem obras, incluindo as de autores franceses como Marcel Proust, Honoré de Balzac e Voltaire. Do inglês, Quintana traduziu Virginia Woolf e Graham Greene, para citar alguns. Como O Pequeno Príncipe foi lançado primeiramente nos Estados Unidos, em 1943, Bortolazzi deduz que Quintana deve ter feito a leitura tanto do inglês quanto do francês para fazer sua tradução.

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Mário Quintana, poeta
O poeta Mario Quintana, que terá lançada no Brasil a sua tradução do clássico ‘O Pequeno Príncipe’ (Adolfo Gerchmann/VEJA)

Juntamente com Isis Valeria Gomes, que à época comandava a área editorial, Bortolazzi pesquisou a origem do material e concluiu que era realmente inédito. Porém, o livro não poderia ser lançado. No Brasil, os direitos da obra de Saint-Exupéry pertenciam à editora Agir, que publicou a primeira edição em 1952, com a tradução mais conhecida, de dom Marcos Barbosa (1915-1997), padre que integrou a Academia Brasileira de Letras (ABL).

Não se sabe ao certo por que a editora Agir conseguiu os direitos da obra antes da Melhoramentos, já que tudo indica que a tradução de Quintana foi a primeira. “Guardamos a pasta, conservada em outra embalagem, registramos o material. A gente sabia que só dali a trinta e tantos anos poderia ser lançado”, conta Bortolazzi.

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O escritor e aviador, Antoine Saint-Exupéry
O escritor e aviador francês Antoine de Saint-Exupéry, autor do clássico ‘O Pequeno Príncipe’ (//AFP)

Era preciso esperar que a obra entrasse em domínio público, setenta anos após a morte de Saint-Exupéry. O escritor, que também era piloto, morreu após seu avião ser abatido na costa francesa em 1944, durante a Segunda Guerra. A obra entrou em domínio público em 1º de janeiro de 2015 e dezenas de edições diferentes e novas traduções, como a de Frei Betto e Ivone Benedetti, lotaram as livrarias brasileiras: capa almofadada, quadrinhos, capa dura, edição de bolso e até para colorir.

“Apesar de termos uma joia em mãos, o livro não teria a força nesse furor inicial de tantas edições competentes e de outras traduções prestigiadas como a de Ferreira Gullar”, explica a gerente editorial. Por isso, a Melhoramentos decidiu esperar e o lançamento será neste semestre.

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O Pequeno Príncipe
Capa de edição francesa do livro ‘O Pequeno Príncipe’, de Saint-Exupéry (Reprodução/Reprodução)

Fluidez e musicalidade

Antes de entrar para a “linha de produção” da editora, entretanto, era preciso ter certeza de que a tradução era, de fato, de Quintana. Isso porque não havia contrato ou até mesmo recibo de pagamento arquivado que ajudasse a confirmar a autoria. Para isso, o poeta e amigo de Quintana Armindo Trevisan, de 83 anos, teve acesso ao documento e confirmou: a tradução era mesmo do seu “mestre”, como ele chama o autor de A Rua dos Cataventos. Trevisan é autor de diversos livros sobre a obra de Quintana.

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Trabalhando no seu escritório em Porto Alegre, o intelectual cotejou oito traduções de O Pequeno Príncipe e concluiu: a do conterrâneo é a melhor. “A superioridade estilística de Quintana, em nossa opinião, se impõe. Quintana é o único por sua precisão vocabular, naturalidade de expressão, fluência e musicalidade do fraseado, e a carga de sugestão poética do conjunto”, escreveu para o material de apoio que acompanhará a obra.

Trevisan produziu o prefácio, glossário e notas de rodapé da edição. Ao longo da pesquisa, detectou escolhas tradutórias diferentes das demais traduções brasileiras. Nos famosos capítulos finais de diálogo com a personagem da raposa, por exemplo, Quintana não usa o verbo “cativar”, mas “domesticar”.

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Nesse quesito, Trevisan diz que a tradução de Quintana “não é tão correta quanto a de Dom Marcos”, mas que o verbo domesticar “sugere um ato neutro: o de amansamento”. Assim, os leitores acostumados com o trecho “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” irão se deparar com o estilo mais direto e singelo de Quintana: “És responsável, para sempre, pelo que domesticaste”.

Outro trecho que chamou atenção do estudioso foi o da abertura. No início do texto, uma cobra feroz engole um animal. As traduções brasileiras optaram pelo termo “jiboia” enquanto Quintana manteve a expressão “boa constrictor”, de Exupéry. Para Trevisan, a escolha do amigo deve estar ligada às próprias ilustrações que mostram uma serpente em posição ativa de ataque, diferentemente da ideia da jiboia, que originou a expressão “jiboiar” para um dos sinônimos para o estado de preguiça e sonolência.

O documento original mostra as correções e anotações de Quintana. É possível ver o tradutor mudando de ideia quando usa a palavra “presunçoso” para definir um personagem. Quintana modifica, bem ao seu modo despretensioso, para “um homem importante”. “Acho que ele não quis passar essa característica de cara para quem fosse ler. Acredito que tenha sido para deixar que a pessoa deduzisse e chegasse sozinha a essa conclusão”, opina Bortolazzi.

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