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Roberto Pompeu de Toledo

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Acabou, mas…

As perspectivas de ano-novo são de que, ao contrário do Egito, continuaremos a acumular pragas

Por Roberto Pompeu de Toledo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h44 - Publicado em 18 dez 2020, 06h00
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  • A exposição no Palácio do Planalto do terno do presidente e do vestido da primeira-dama no dia da posse ofereceu-nos uma prévia do que poderá ser um futuro Instituto Jair Bolsonaro, moldado à semelhança do Instituto Fernando Henrique Cardoso e do Instituto Lula. Em outra sala seria exibida a biblioteca do agora ex-presidente, no esplendor de seus dois volumes (O Imbecil Coletivo, de Olavo de Carvalho, e A Verdade Sufocada, do coronel Brilhante Ustra, ambos com visível maioria de páginas não visitada). Os filhos merecerão sala onde encontraremos do boné “Trump 2020” de Eduardo aos diplomas de honrarias concedidos por Flávio a ilustres milicianos.

    José Simão disse tudo, na Folha de S.Paulo: “Resumo de 2020: a gente não merecia Bolsonaro e Covid ao mesmo tempo. Até no Egito foi uma praga por vez!”. Bolsonaro e Covid são desgraças que têm em comum nos ocupar a mente de forma obsessiva. Na cabeça vadia deste colunista brotou até a visão do futuro Instituto Jair Bolsonaro. Felizes são os americanos, que, ao se livrar de Trump, se livrarão de igual fenômeno. “Um dos piores aspectos da Presidência Trump foi o modo como ele consumiu todo o espaço de nossa banda larga mental, tornando impossível pensar em outra pessoa ou outra coisa”, escreveu o colunista (conservador) Bret Stephens, do The New York Times. Stephens comparou o flagelo Trump a “um longo e doloroso acesso de soluços, um mosquito que zumbe no ouvido quando se está a ponto de pegar no sono, um alarme de carro que não para”.

    Até da Covid, com as vacinas, os americanos ficaram perto de se livrar. Bolsonaro as boicota. As perspectivas de ano-novo são de que, ao contrário do Egito, continuaremos a acumular pragas.

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    Para André Malraux, na escala do Recife de sua visita ao Brasil, em 1959, “o Brasil é apenas um país improvável”. Para Paulo Francis, é “um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle”. Em poucos dias já chamaremos de “o ano que vem” aquele em que a improbabilidade lunática que habitamos comemorará dois séculos de vida independente. Nesse tempo todo, o trabalho de construir um país foi menor do que a fé na mágica que a entidade mitológica conhecida por “futuro” pudesse operar.

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    Ao segundo ano de vida independente do país (1823), o deputado Gomide declarou à Assembleia Constituinte: “O Pará terá um dia a opulência da Rússia; o Maranhão, a da Alemanha; Pernambuco, a da França; a Bahia, a da Grã-Bretanha; esta (o Rio de Janeiro), a de toda a Itália; São Paulo, a da Espanha; Santa Catarina será a nossa Irlanda; a parte meridional do Brasil equilibrará, por si só, os Estados Unidos do Norte do nosso mundo, enquanto Minas, compreendendo Goiás e Mato Grosso, será tão opulenta como é hoje a Europa toda”. Ao 146º ano de vida independente (1968), o governador paulista Abreu Sodré declarou, em solenidade na Unicamp: “Contrariaremos as previsões de que no ano 2000 o Brasil ainda será um país subdesenvolvido”.

    No 198º ano de vida independente (2020) toca o despertador da realidade e nos damos conta de que o Brasil perdeu cinco posições, em índice de desenvolvimento humano (IDH), na lista da ONU. Entre 189 países, passou do 79º lugar, em 2019, para o 84º neste ano. Vizinhos do Cone Sul nos humilham: o Chile ocupa a 43ª posição, a Argentina, a 46ª e o Uruguai, a 55ª.

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    O presidente Bolsonaro quer publicar advertência contra as vacinas e declara que ele mesmo não as tomará, “e ponto”. Diante do vírus ele posa de machão, mas diante da vacina é um maricas.

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    Este é meu último texto para a revista VEJA. Ocupo esta página desde a remota edição do dia 2/10/1991, em alguns períodos sozinho, em outros alternando com colegas. Revisito colunas do passado, e descubro uma (22/8/2007) que começava assim: “Os distraídos talvez ainda não tenham percebido, mas o Brasil acabou”. Seguia-se o inventário dos infortúnios do momento. Outra coluna (1º/11/2006), logo em seguida à eleição presidencial daquele ano, lamentava uma campanha em que “a intolerância contaminou vastas fatias da população” e alertava contra a divisão, “que leva as nações à perdição”, mas terminava com uma nota otimista: “O Brasil continua”. Somados os dois textos, posso formular eu também uma frase-síntese do nosso país: “O Brasil é o país que acabou, mas continua”.

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    Minhas últimas palavras vão para esse ser invisível — é com você aí mesmo! — escondido atrás da página ou da tela. Obrigado, leitor, pela convivência, obrigado, leitora.

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    Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

    Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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