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Rodrigo de Almeida

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Jornalista, cientista político e consultor de comunicação e política. Escreve sobre políticas públicas em áreas como educação, segurança pública, economia, direitos humanos e meio ambiente, entre outras
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Por um plano nacional de defesa das vidas negras

Diretor da organização Conectas faz um balanço da agenda de direitos humanos do governo Lula e aponta os retrocessos que precisam ser corrigidos

Por Rodrigo de Almeida
Atualizado em 28 abr 2023, 10h12 - Publicado em 28 abr 2023, 10h04
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  • Contraste e reconstrução são duas palavras-chave para definir os primeiros meses do governo do presidente Lula na agenda de direitos humanos. Um terreno que virou sinônimo de ataques e descasos durante os quatro anos de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro.

    Há algumas semanas, no marco dos 100 dias do novo governo, a organização Conectas Direitos Humanos, com a autoridade de mais de 20 anos de atuação nesse campo, produziu um documento de análise das principais medidas no período, avaliou a criação de ministérios focados no combate a diversas desigualdades (como Igualdade Racial, Direitos Humanos e Povos Indígenas), observou políticas, falas e ações iniciais, confrontou-as com tudo o que ouviu e enfrentou no ciclo anterior e concluiu: a agenda de direitos humanos de Lula só pode ser analisada à luz dos contrastes com os constantes ataques a direitos fundamentais e à democracia nos anos de gestão bolsonarista.

    E o mais importante, segundo o balanço da Conectas: “A reconstrução é desafiadora na medida em que a gestão Bolsonaro promoveu uma política sistemática anti-direitos ao enfraquecer os órgãos caros aos direitos humanos e socioambientais como Fundação Palmares, Funai e Ibama, seja nomeando a cargos-chave pessoas que atuavam contra o próprio mandato das entidades e/ou enfraquecendo-as em suas capacidades orçamentárias e de fiscalização.”

    Contra a edição, no ciclo anterior, de portarias e decretos para desvirtuar o marco legal existente na agenda ambiental, de controle de armas e de migração ou adoção de leis para criminalizar movimentos sociais, a tentativa de retomar a condição brasileira de referência mundial na agenda de proteção a minorias.

    Contra a posição brasileira definida por muitos especialistas domésticos e externos como “pária internacional”, ações para a retomada do protagonismo nos debates sobre mudanças climáticas, o retorno do Brasil ao Pacto Global de Migração e a saída do Consenso de Genebra, uma articulação internacional com países mais conservadores do mundo e refratários aos direitos sexuais e reprodutivos.

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    Contra políticas e falas racistas e em afronta a direitos humanos, um pacote de medidas com ações para diminuir a desigualdade racial, valorizar os povos quilombolas e reduzir a violência contra a juventude negra. (Acrescente-se aí a mudança histórica de posicionamento do governo, ao reconhecer esta semana, em audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos, a violação a comunidades quilombolas na construção do Centro de Lançamento de Foguetes em Alcântara, na década de 1980, no Maranhão.)

    Poucos problemas no campo dos direitos humanos nasceram no governo Bolsonaro, essa herança é secular. Mas a Conectas e muitas outras organizações nacionais e internacionais de direitos humanos reconhecem que os últimos quatro anos não só agravaram uma realidade já difícil como fizeram o Brasil desperdiçar tempo e ciclo histórico que não poderiam ser perdidos – pois tempo desperdiçado, neste assunto, significa condenar vidas.

    A começar pelas vidas negras.

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    À coluna, um dos diretores da Conectas, o advogado Gabriel Sampaio, coloca o racismo estrutural e a violência institucional contra pessoas negras como integrantes daquela que precisa ser a agenda-base para o governo Lula. E defende: a agenda deve começar com um plano de defesa das vidas negras.

    “Um Estado que se pretenda democrático de direito não pode ter os índices de violência letal contra pessoas negras que o Brasil exibe”, afirma o advogado, que foi secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (2014-2016), membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2016-2017) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (2014-2016). Atualmente, é também membro do Conselho Consultivo da Ouvidoria das Polícias de São Paulo.

    O advogado lembra que quaisquer estudos realizados a partir de 2010, a partir de quando se tem uma maior sistematização e confiabilidade das estatísticas, é possível constatar o padrão desigual do ponto de vista racial que as mortes violentas vão se reproduzindo no país. Basta olhar documentos, estudos, atlas da violência e anuários produzidos por organizações respeitadas como o Instituto Sou da Paz, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto Igarapé para ver o quanto a violência de inspiração racial é um grave problema.

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    Pessoas negras representaram 78% das mortes violentas internacionais, categoria que reúne homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes de intervenção policial, contra 21,7% de brancos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado pelo FBSP no ano passado. No caso de mortes pela polícia, o índice se mostrou ainda maior: 84% dos alvos são negros. Homens negros têm 3,5 vezes mais chances de serem assassinados do que brancos, mostrou outro estudo, Violência armada e Racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial, produzido pelo Sou da Paz.

    Essa desigualdade está na base do Estado brasileiro, e nosso passado escravocrata e nosso presente racista já nos condenavam muito antes do governo Bolsonaro. Mas, como reforça Gabriel Sampaio, cada perda de oportunidade significa condenar gerações. No que ele cobra: ou o Brasil muda a forma de desenhar suas políticas públicas, ou seguiremos a sina histórica de preservação e continuidade de tais desigualdades. “A estrutura da política pública tem de ser compreendida de forma racializada”.

    Gabriel Sampaio sugere mudanças que passam pelo governo, pelo Congresso, por estados e municípios: criação e adoção de protocolos mais rígidos na apresentação de provas pelo Estado, “para evitar que a chaga do racismo paire sobre a atividade policial”, e atualização na legislação referente ao reconhecimento pessoal na ciência do testemunho.

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    Os estereótipos de cor, sabemos, demarcam em grande medida as escolhas das operações policiais, como informam chacinas como a de Jacarezinho, no Rio, e Paraisópolis, em São Paulo, e isso requer profissionalização das polícias, mudança de procedimentos e rigidez em relação ao controle externo ao Estado, especialmente na prática policial.

    Além do combate ao racismo, o balanço da Conectas avança ainda pelo direito dos povos indígenas, agendas do clima e meio ambiente, segurança pública, fortalecimento da democracia, política de migração, combate ao trabalho análogo ao escravo, políticas de gênero, e até diplomacia, com o comprometimento do Brasil com tratados internacionais. Pode ser acessado aqui.

    É um bom começo de debate. Não bastará ao governo repavimentar a estrada esburacada deixada pelo governo anterior. Se muitos dos problemas vão além do último ciclo, suas soluções também.

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    O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos apontou uma vez, alguns anos antes de morrer, o que era o grande déficit da democracia brasileira: a constitucionalização. “O Estado brasileiro não foi preparado para administrar uma sociedade democrática”, disse-me uma vez. “É um Estado oligárquico feito para administrar para pouca gente. Para o resto da população, é porrada, polícia”.

    Garantir as vigências dos preceitos constitucionais para todos, e em todo o território brasileiro, tornar cada brasileiro detentor de direitos, esteja onde estiver, isto sim tem a ver com uma verdadeira reforma do Estado, dizia Santos, um dos pais da ciência política brasileira moderna.

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