Não consigo entender a defesa irrestrita que muitos têm feito do humorista Danilo Gentili, condenado por injúria e sentenciado a quase sete meses de prisão em regime semiaberto por ofender a deputada federal Maria do Rosário (PT). Em 2016, Gentili chamou a deputada de “puta” de um modo covarde, insidioso. Ao receber uma intimação judicial de Rosário, o humorista esconde, com os dedos, a primeira e última sílabas da palavra “deputada”. E dá um zoom para tornar a injúria inequívoca. “Parece que fiz umas tuitadas que ela não gostou … Fui ler e rasguei bem na assinatura da procuradoria parlamentar!
Após rasgar a intimação, Gentili vai postar os pedaços (à Collor) no Correio e diz: “Para a Maria do Rosário ou qualquer outro deputado de qualquer outro partido: Eu pago seu salário, então eu decido se você cala ou não a boca. Nunca o contrário.” Em algo ele está certo: nenhum político deve poder decidir o que eu falo ou escrevo.
Mas o que mais Gentili pode fazer com parlamentares e servidores públicos já que, junto com todos nós, “paga seus salários”? Pode xingá-los e insultá-los livremente, inimputável com atestado de engraçadinho?
O humorista já cometeu atos racistas. Foi processado e absolvido por pelo menos um deles – segundo o juiz, não teria havido ofensa pois o jornalista atingido já teria chamado a si próprio de “King Kong”. Respeito a decisão, é claro, mas acho estranha. Oferecer bananas a um negro porque isto é – ou alguém considera – engraçado? Alguém pode ser racista em nome do humor?
O jornalista Mano Ferreira, diretor de comunicação do movimento Livres, diz que Maria do Rosário “retroagiu ao espírito da monarquia absolutista” ao usar o “aparato estatal da Câmara dos Deputados para tentar constranger e censurar um humorista”. E Gentili, ao rasgar a intimação e esfregá-la em suas partes íntimas, teria recuperado “o espírito dos chargistas que gozavam dos reis”. Ainda segundo Ferreira, “a dessacralização do governante a partir da avacalhação discursiva de suas características mais humanas foi fundamental para tornar possível a ideia de um mundo sem reis sagrados”.
Há pelo menos dois erros graves. O primeiro é que a deputada federal não censurou Gentili. Ela se sentiu ofendida e processou-o por isso. Simples assim.
O segundo erro é comparar o Brasil em 2019 à França no fim do século XVIII. Não somos governados por reis. A política é mundana há muito tempo. Maria do Rosário disputou eleições em 2018. Maria Antonieta e seu marido, o Rei Luís XVI, tentaram fugir disfarçados, em 1791, dos jacobinos parisienses que pouco tempo depois os assassinaram. Quem baixa a bola da deputada federal é a oposição a ela nas eleições. Os revolucionários na França precisavam da injúria como último recurso para manifestar contrariedade a uma ditadura. A comparação é boba. E feia. E chata. Mostro a língua.
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