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Sobre Palavras

Por Sérgio Rodrigues Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

No giro da roleta, o aleatório fica cada vez mais randômico

Será aleatório – ou será randômico? – o processo histórico que fez a velha alea latina se randomizar na fala de tantos brasileiros? Que lance de dados terá sido o responsável pelo rebatismo da sorte e do azar, do acaso, do acidental, daquilo que foge ao nosso controle num universo caótico? Qual terá sido o […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 14h28 - Publicado em 22 ago 2010, 13h10

Será aleatório – ou será randômico? – o processo histórico que fez a velha alea latina se randomizar na fala de tantos brasileiros? Que lance de dados terá sido o responsável pelo rebatismo da sorte e do azar, do acaso, do acidental, daquilo que foge ao nosso controle num universo caótico? Qual terá sido o giro da roleta que fez o fortuito virar as costas à matriz cultural que nos legou o eco de Alea jacta est (a sorte está lançada), brado retumbante que Júlio César teria famosamente lançado às margens do Rio Rubicão quando decidiu desafiar o Senado romano, em 49 a.C.?

Pois é: o belo adjetivo “aleatório”, termo vernacular registrado em português desde 1789, tem sido substituído com frequência matadora no vocabulário de falantes brasileiros de bom nível educacional por seu colega “randômico”, importação do inglês aqui desembarcada em algum momento do século 20 no pacote do jargão dos estatísticos. Se, na linguagem comum, o significado é rigorosamente idêntico, o que explica a troca?

Xenofobia linguística é a maior furada, convém não esquecer. Palavras que se mostram úteis vão sempre se instalar e criar raízes na fala da vida real, qualquer que seja sua nacionalidade – obrigá-las a passar pelo controle de passaporte é coisa de filólogo, não de falante comum. O verbo deletar, anglicismo da cota do informatiquês, vem se consagrando porque seu equivalente nacional, apagar, é demasiadamente genérico: como diz mais (também se apaga com borracha no caderno, com apagador no quadro-negro etc.), acaba dizendo menos. Simples assim.

Mas randômico é outra história. Tirado do contexto rarefeito dos cálculos estatísticos – a bordo de cuja literatura anglófona nos chegou o verbo randomizar, com seu sentido de “introduzir um elemento aleatório” –, o adjetivo randômico tem gozado de uma saúde que, no fim das contas, só pode ser explicada pela mesma lógica que faz tantos lojistas optarem por chamar suas liquidações de sale: a impressão de que em inglês fica tudo mais bonito, mais chique, mais – digamos logo – cool.

Resumindo: se o sentido é o mesmo, ganha-se nas conotações. Aleatório usa terno e gravata, randômico vai de casaquinho fashion e gola em V. Também assim caminham as línguas. O que de randômico não tem nada.

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