“Caro Sérgio: há poucos dias, uma modelo piauiense, que começa a galgar o estrelato mundo afora, declarou, numa entrevista dada a um grande jornal do Rio, o seguinte: ‘Gostaria de tirar a foto de um Brasil mais honesto’.
Dois dias depois, para minha surpresa e certamente de muitos leitores, o censor do matutino carioca criticou o emprego, na frase da modelo, do verbo ‘tirar’. Segundo ele, o verbo adequado era ‘bater’.
Como não foi dada nenhuma explicação que justificasse a inadequação vocabular apontada, pergunto-lhe: em sua opinião, que argumento, em termos gramaticais, fundamenta a censura do jornal? Por fim, será que a correção do descuido linguístico ocorreu com o objetivo de eliminar uma ambiguidade?” (Orlando Torres Filho)
Caro Orlando, a pergunta deve ser dirigida a quem fez a referida correção, uma vez que eu poderia no máximo especular sobre quais seriam seus argumentos. Pretendo, aliás, me abster disso.
O que posso dizer é que apontar inadequação vocabular em “tirar foto” é um equívoco. Não há nada errado com o que declarou a entrevistada, embora também lhe fosse possível optar pela forma – um pouco menos frequente, talvez – “bater uma foto”.
Situada além da consagração, “tirar foto” é uma expressão em que esse verbo de mil faces (um exagero, mas o meticuloso Houaiss lista 49 acepções) assume o sentido de “captar (imagem)”, o mesmo que tem em “tirar uma radiografia”, vizinho do sentido de “reproduzir” (“tirar cópia”).
Além disso, como se sabe, pode-se tirar desde uma soneca até uma conclusão, passando por uma boa nota na prova e a temperatura de um enfermo. Ainda que em todas essas expressões o verbo “tirar” apresente variações em torno de uma mesma ideia, a de “obter, tomar, extrair”, sua versatilidade impressiona. Cuidemos para que continue assim.
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