Ben Johnson, o jamaicano radicado no Canadá, estragou um dos mais espetaculares primeiros parágrafos de qualquer reportagem, o “lead”, no jargão jornalístico. Assim, escrita por Dorrit Harazim, enviada especial de VEJA para a Olimpíada de Seul, em 1988: “O canadense Ben Johnson venceu espetacularmente a prova dos 100 metros rasos na Olimpíada de Seul, no sábado passado, no mesmo tempo que se leva para chegar ao ponto final desta frase”. Noite de sábado na Coreia do Sul, manhã de sábado no Brasil. A redação esperava apenas o acabamento da reportagem em torno da disputa mais esperada de todos os Jogos para mandar a revista para a gráfica. E assim foi feito. Com entusiasmo pelo trabalho coletivo bem feito, e pela magnífica reportagem de Dorrit, os profissionais que tinham varado a madrugada podiam celebrar como se subissem ao pódio. Na capa, a chamada definitiva: “O homem mais veloz do mundo”.
Tudo certo não fosse Johnson um contrafeitor que manchou a capa da revista (e de boa parte de todas as outras publicações do mundo que lidavam com o fuso horário). Enquanto a revista seguia para a gráfica e, depois, para a casa de assinantes e bancas, a comissão médica do COI comprovara que o canadense correra dopado, tendo feito uso de esteroides anabolizantes. Perdeu a medalha, se transformou num pária do esporte e, reafirme-se, conspurcou o bom jornalismo. Na edição seguinte, VEJA deu o “troco”. Com o título de “Poderes Artificiais”, a reportagem sobre o corredor dopado começava da seguinte maneira, definindo à precisão o que ele provocara: “Dois minúsculos frascos marcados com o número 1 237 e as letras A e B, estocados num refrigerador no 4. andar do Instituto Coreano de Ciência e Tecnologia, uma construção sombria de paredes marrons muito escuras, em Seul, adquiriram na semana passada um insuspeitado poder destrutivo”.