A autora que mergulhou no OnlyFans para escrever livro que vai virar série
A autora Rufi Thorpe falou a VEJA sobre o processo de escrita de 'Margô Está em Apuros', que está sendo adaptado pela Apple

Margô é uma garota sonhadora. Aos 19 anos, ela trabalha como garçonete para se manter na faculdade, e sonha com um futuro melhor. Sua vida vira de ponta-cabeça quando ela se envolve amorosamente com um de seus professores, e acaba engravidando dele. Sem apoio do affair, e demitida do emprego, ela tem uma ideia inusitada para sustentar o filho: criar um perfil no OnlyFans e usar o seu talento com a escrita para avaliar órgãos genitais masculinos, como uma espécie de letterbox adulto. Escrito pela americana Rufi Thorpe e publicado no Brasil pela Rocco, Margô Está em Apuros foi eleito livro do ano pela Amazon, e será vertido em série pela Apple — com Elle Fanning e Nicole Kidman no elenco. “É insano o nível de cuidado investido neste projeto e a quantidade de amor e de gente trabalhando nele. Mesmo que no final me mostrassem a série e fosse um comercial de ração para gatos, eu ainda sentiria que foi muito bem feito”, explica Thorpe a VEJA, com o tom cômico que permeia sua obra.
Nascida em Los Angeles, na Califórnia, e criada por mãe solo, Thorpe é uma aficionada por livros, assim como a mãe. Se lançou como escritora com As Garotas de Corona del Mar, de 2014, e tem se dedicado à escrita profissional desde então, com quatro livros publicados até o momento. Foi o mais recente deles, no entanto, que a impulsionou à lista de bestsellers. “Por muito tempo, tive essa ideia abstrata de tentar pegar o complexo de Madonna e extrapolá-lo, criando uma personagem que fosse uma ótima mãe e uma ótima profissional do sexo, mas eu não sabia exatamente como fazer isso”, explica ela sobre a ideia inicial de Margô Está em Apuros. “Quando o OnlyFans começou a explodir em popularidade durante a pandemia, percebi que sua natureza digital tornava as pessoas um pouco menos críticas”, completa ela, atestando que viu neste cenário a chance de desenvolver sua história.
Casada e mãe de dois filhos, a escritora não tinha conhecimento sobre esse universo: para escrever a trama, precisou mergulhar de cabeça no submundo do OnlyFans. Para isso, criou uma conta na plataforma e apelou para o capitalismo. “Tive que encontrar modelos dispostas a conversar comigo, o que envolveu enviar mensagens para diferentes pessoas e mais uma gorjeta de 50 dólares. Paguei pelas perguntas que elas respondiam”, revela ela, explicando que as questões técnicas foram mais fáceis. “O mais difícil foi encontrar alguém disposto a discutir os aspectos psicológicos do trabalho. A maioria das profissionais do sexo tem bastante clareza de que suas vidas privadas e íntimas não estão à venda, e elas não me conheciam. É por isso que eu queria retratar a Margo logo no início de sua jornada no OnlyFans”, esclarece a autora, dizendo que tinha também uma profissional lendo o livro e apontando imprecisões e problemas sobre a trama, que mescla humor a temas mais sérios, como a relação de poder nos relacionamentos e os julgamentos sociais.

Confira a seguir a entrevista com a escritora Rufi Thorpe:
Margô Está em Apuros conta a história de uma mãe adolescente que cria uma conta no OnlyFans para sobreviver e criar o filho. De onde surgiu essa ideia? Por muito tempo, tive essa ideia abstrata de tentar pegar o complexo de Madonna e extrapolá-lo, criando uma personagem que fosse uma ótima mãe e uma ótima profissional do sexo, mas eu não sabia exatamente como fazer isso. Existe um estigma enorme contra o trabalho sexual nos Estados Unidos, assim como um forte desejo cultural de colocar as mães em um pedestal. Quando o OnlyFans começou a explodir em popularidade durante a pandemia, percebi que sua natureza digital tornava as pessoas um pouco menos críticas. O fato de não haver contato físico diminui os riscos e fez com que mulheres que nunca considerariam fazer um teste em um clube de striptease de repente se perguntassem: “Bem, quanto dinheiro elas estão ganhando exatamente?”. Era algo que elas estavam muito mais dispostas a considerar. Então pensei: agora é minha chance de escrever essa personagem!
A protagonista estava em um “relacionamento” com um professor, e ele tem muito poder sobre ela. Por que decidiu retratar esse tipo de dinâmica? Eu me interesso por coisas complicadas e, embora eu seja grata ao movimento MeToo e ache que ele foi necessário e importante, ele não abriu os olhos para muitas áreas cinzentas. No relacionamento entre Margô e seu professor, eu queria investigar isso. Ela é, em muitos aspectos, melhor que ele: mais inteligente, mais perspicaz, mais corajosa e uma pessoa muito melhor. As mesmas qualidades que o levam a atacá-la, também são sinais de sua fraqueza. Eu queria a oportunidade de explorar uma versão mais sutil de uma situação comum. Esse tipo de mau comportamento por parte de um professor é bem comum. E não é como se ele fosse um serial killer: ele é apenas um cara normal, meio fracote, infeliz na vida e que quer sentir grandes emoções como sentia quando era jovem. O que não justifica, obviamente, o comportamento dele. Na verdade, quanto mais poder e sabedoria Margo adquire no livro, mais claramente ela vê o quão errado é o que ele fez.
Além de ter temas sérios, o livro é muito engraçado. Como você conseguiu equilibrar esse humor? Para mim, ser engraçado é uma questão de deixar escapar a verdade, ser honesto sobre algo que você não tem permissão para falar. Então, eu não penso nisso como um equilíbrio, como se eu estivesse fazendo um bolo, embora, até certo ponto, eu ache que o humor atue como um fermento, permitindo que você fale sobre coisas sombrias ou dolorosas com mais conforto. Mas, mais predominantemente, quando penso nisso, realmente parece que o riso é uma reação saudável a um mundo que muitas vezes é grosseiro e cruel, e essa é a minha resposta a esse mundo — que é tão lindo, terrível e, muitas vezes, também engraçado.
Seu livro será transformado em uma série de TV na Apple TV. Quais são suas expectativas para as adaptações? Bem, eu comecei sem expectativas. Teria ficado extremamente feliz se alguém fizesse uma série, mesmo que muito ruim, a partir do livro, mas, a cada passo foram surgindo essas pessoas incrivelmente talentosas e competentes para trabalhar no projeto. É insano. O nível de cuidado investido neste projeto, a quantidade de amor. Ter tanta gente trabalhando tanto? Quer dizer, mesmo que no final me mostrassem a série e fosse um comercial de ração para gatos, eu ainda sentiria que tinha sido bem-feito. Isso é parcialmente hipócrita, porque eu consegui assistir a cortes da série conforme ela se desenrolava e achei muito, muito boa. Sinceramente, fiquei impressionado. Estou muito animado.