Diz a lenda que o imponente Trono de Ferro foi forjado com fogo de dragão e mais de 1 000 espadas dos inimigos que sucumbiram perante Aegon Targaryen, o primeiro rei a assumir o assento mais cobiçado de Westeros. O mesmo trono suscitou batalhas ferozes no mundo fantástico criado pelo americano George R.R. Martin. Entre elas, o embate retratado nas oito temporadas de Game of Thrones, exibidas pela HBO entre 2011 e 2019. Curiosamente, o modelo do trono, que virou ícone da série, não era exatamente como o autor tinha imaginado. “O Trono de Ferro deve ser assustador e desconfortável”, escreveu Martin, sincerão, em seu blog. Esses adjetivos se manifestam de forma explícita, enfim, no trono ocupado pelo rei Viserys Targaryen em A Casa do Dragão, série que estreia na HBO no domingo, 21, às 22h, e entra em seguida na plataforma HBO Max. Na trama ambientada quase 200 anos antes da saga de Daenerys Targaryen e Jon Snow, o Trono de Ferro é grande, desalinhado e cercado por espadas pontiagudas. Mais um fardo que privilégio, exige submissão não só de quem o observa de longe, mas até do próprio rei — em movimentos bruscos, o soberano é cortado pelas lâminas a seu redor.
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A liberdade para incrementar a aparência do símbolo de poder foi possível graças ao período histórico da nova história. A Casa do Dragão testemunha o apogeu da dinastia Targaryen — casa conhecida por seus expoentes de cabelo platinado, temperamento instável e habilidade de transitar por aí com dragões. Se a Daenerys (Emilia Clarke) de Game of Thrones criava sozinha três adoráveis dragõezinhos, nesse passado glorioso os Targaryen ostentam dezessete monstros adultos, que garantem à família um poder inquestionável. Isso até uma desavença sobre a hereditariedade da coroa provocar uma guerra entre eles, colocando em tela uma questão familiar: a luta da mulher por igualdade.
A Guerra dos Tronos – Edição Ilustrada
Fora da ficção, os Targaryen enfrentarão outro tipo de embate: uma acirrada competição entre várias séries que almejam o posto de “nova Game of Thrones”. O momento expõe a força conquistada pela fantasia no coração dos espectadores. Pouco antes de A Casa do Dragão, desembarcou na Netflix a superprodução baseada em The Sandman, HQ célebre do inglês Neil Gaiman — e o resultado foi uma explosão de audiência, batendo 70 milhões de horas de visualizações em três dias. Em 2 de setembro, o Prime Video, da Amazon, lança a talvez mais esperada aspirante a reinar no setor: a série O Senhor dos Anéis: os Anéis do Poder, baseada no universo de J.R.R. Tolkien (1892-1973).
A fantasia é um gênero que nunca perdeu seu charme — mas, inegavelmente, ganhou uma proeminência inédita no entretenimento do século XXI. Os filmes do diretor Peter Jackson que transportaram para o cinema a narrativa mítica de O Senhor dos Anéis certamente têm sua culpa nisso, por elevar a aposta em superproduções desse tipo. E o êxito global de Game of Thrones não só cimentou a nova era de ouro da fantasia, como mostrou que ela poderia ser adulta. E como: de sexo a batalhas sangrentas, passando por traições e intrigas, nada ali é tabu. “Game of Thrones é sobre disputas de poder. Nossos dragões são basicamente cavalos enormes de guerra”, disse o showrunner Miguel Sapochnik a VEJA (leia abaixo).
O desejo de se equiparar ao fenômeno original turbinou o investimento da HBO na franquia — outros cinco projetos derivados estão em desenvolvimento. Mas a concorrente Amazon não fará por menos — na verdade, pretende gastar bem mais para impor seu domínio no gênero com a franquia O Senhor dos Anéis. Ambientada milhares de anos antes dos eventos da trilogia de Peter Jackson no cinema, a série Os Anéis do Poder, primeira de um ambicioso pacote, custou 1 bilhão de dólares — sim, você leu certo — aos cofres de Jeff Bezos.
Para qualquer das partes em disputa, reproduzir um fenômeno cultural é tarefa inglória. Quando chegou à TV, em 2011, Game of Thrones foi um estouro pelo ineditismo e qualidade. A HBO cogitou inúmeros sucessores antes de optar por A Casa do Dragão — e o fez com o intuito de surfar na popularidade de Daenerys. A nova série explora com competência a autoestima elevada dos Targaryen, suas relações incestuosas e a ruína autoimposta pelo patriarcado quando as mulheres se aproximam da coroa. A princesa Rhaenyra Targaryen (Milly Alcock e Emma D’Arcy na vida adulta) e sua amiga Alicent Hightower (Emily Carey/Olivia Cooke) se convertem em peças do xadrez político em Westeros. Rhaenyra é escolhida pelo pai, o rei Viserys (Paddy Considine), sua herdeira; já Alicent reivindica o título a seu filho, fruto de uma relação com o soberano. À espreita estão o irmão do rei, Daemon (Matt Smith), e a tia distante Rhaenys (Eve Best). Sem dúvida, a batalha pelo trono será animada.
ENTREVISTA: “O patriarcado é tóxico”
Showrunner de A Casa do Dragão, o inglês de origem argentina Miguel Sapochnik fala a VEJA sobre as expectativas em torno da nova série.
Game of Thrones foi um marco na TV como fantasia para adultos, e desde então outros vêm tentando copiar a fórmula. Como A Casa do Dragão entra nessa disputa? Nossa vantagem é que, de fato, somos o “novo Game of Thrones”. Criar uma série de fantasia é um desafio enorme — e poucas vingaram após a produção da HBO. Temos também a nosso favor o fato de que as demais séries precisam se diferenciar de Game of Thrones, e nós podemos nos aproximar ao máximo.
Em breve Os Anéis do Poder, série derivada de O Senhor dos Anéis, chega ao Prime Video. Prevê uma guerra com o novo adversário? Vejo O Senhor dos Anéis como um tipo específico de fantasia, com uma mitologia particular. Game of Thrones tem seres fantásticos, mas é um mundo, eu diria, mais pé no chão. O tema é a disputa de poder — e os dragões funcionam como cavalos gigantes. Há espaço para as duas séries coexistirem e acho até que podem atingir públicos diferentes.
A Casa do Dragão é protagonizada por mulheres. Será uma série feminista? O rico universo criado por George R.R. Martin não pode ser reduzido a uma coisa só. A ideia central é o patriarcado destruindo a si próprio, só para evitar que mulheres assumam o poder. Sabemos que o patriarcado é tóxico e causa problemas à nossa sociedade. Mas a intenção não é fazer uma versão feminista de Game of Thrones.
Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803
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