‘A TV não tinha espaço para pessoas com a minha aparência’, diz Uzo Aduba
Atriz conhecida pela série ‘Orange is the New Black’ fala a VEJA sobre a dificuldade de despontar na televisão e o protagonismo em ‘In Treatment’
Filha de pais nigerianos e nascida nos Estados Unidos, em Boston, Uzo Aduba, 41 anos, sonhava na adolescência em ser atleta, isso até descobrir o teatro. Passou uma década viajando o país em peças premiadas, mas se sentia frustrada por não conseguir um papel relevante na TV ou no cinema. Quando fez o teste para a série Orange is the New Black (2013), da Netflix, Uzo já havia decidido parar de atuar. Aquela seria sua última tentativa. “Ia largar tudo e estudar direito”, conta ela em entrevista exclusiva a VEJA. Ainda bem, ela logo recebeu o retorno da produção: Uzo foi escalada para interpretar Suzanne “Crazy Eyes” Warren, papel que lhe rendeu duas vitórias no Emmy e duas indicações ao Globo de Ouro. Desde então, Uzo se tornou um nome requisitado na TV americana. Em 2020, levou outro Emmy para casa por seu trabalho em Mrs. America. Este ano, ela assumiu o protagonismo de In Treatment, adaptação americana da elogiada série israelense – que ganhou também sua versão no Brasil, em Sessão de Terapia. Na trama exibida pela HBO, e agora disponível no HBO Go, Uzo interpreta a psicóloga Brooke Taylor, que a cada episódio acompanha um personagem diferente, enquanto a própria lida com seus dilemas pessoais. Confira abaixo a conversa com a atriz:
Você ficou famosa ao interpretar a personagem Suzanne “Crazy Eyes”, uma mulher com transtornos mentais. Agora, dá vida à uma psicóloga. Como foi abordar a saúde mental por dois ângulos tão distintos? Maravilhoso, pois tive a oportunidade de olhar para os dois lados do problema. Eu fiquei imaginando o que teria sido de Crazy Eyes se ela tivesse tido acesso a um bom tratamento com a doutora Brooke. Então, ao interpretar essa psicóloga, eu tinha em mente que eu gostaria que o mesmo tipo de cuidado e atenção fosse dado à Suzanne.
Antes destes papéis, a saúde mental era um assunto do seu interesse? Sim, sempre tive interesse no assunto. É um tema que precisa urgentemente perder o estigma, especialmente em comunidades de pessoas negras. É um tipo de cuidado e conversa que não alcançou todas as esferas como deveria.
Ser a primeira terapeuta negra dessa série, então, tem um significado especial? Com certeza, especialmente na HBO. Fiquei feliz que eles tenham decidido que essa temporada deveria ser observada através do olhar de uma mulher negra. Assim como acho que é importante que todos no mundo vejam diferentes tipos de pessoas buscando ajuda, indo à terapia. Parece algo simples, mas não é. Ao ver uma mulher negra no papel de terapeuta, pessoas da comunidade negra que não procuram ajuda, por causa de tabus, podem me ver e mudar de ideia.
Você já fez terapia? Sim, é algo muito importante para mim. Um lugar seguro para falar e se sentir ouvida.
Como foi a preparação para interpretar uma psicoterapeuta? Eu tive o respaldo de três terapeutas, e um deles em particular foi muito útil para me explicar sobre como é lidar no dia a dia com pacientes. O roteiro em si também já era muito bom, bem pensado e bem escrito.
Você já disse que havia desistido de atuar quando conseguiu o papel em Orange is the New Black. Por que essa decisão? Pois naquela época, a TV não tinha espaço para pessoas com a minha aparência. Por muitos anos, eu via apenas a Whoopi Goldberg como uma pessoa parecida comigo na TV e no cinema. Ao ouvir muitos nãos, eu comecei a pensar que esse era um jantar para o qual eu não fui convidada a sentar na mesa. Pessoas como eu não eram bem-vindas. Então comecei a me planejar para mudar de profissão. Ia largar tudo e estudar direito, me tornar uma advogada. Até que recebi o telefonema dizendo que eu estava no elenco de Orange. Que bom, eu não seria uma boa advogada.