Cinzento e sem graça, o escritório da empresa de embalagens não exibe nem um terço das mesas preenchido de funcionários. Estão lá um líder e alguns gatos-pingados, mas o resto sumiu, graças a uma herança da pandemia: o trabalho remoto. O “novo normal” seria impensável na velha realidade corporativa satirizada entre 2005 e 2013 na versão americana de The Office — e deixaria o chefe Michael Scott (Steve Carell) desamparado pela falta do contato diário com os funcionários que enxergava como família. Justamente por isso, a série que fazia a crônica impagável da vida no escritório passou a ser alvo de piadas na internet após o isolamento — ironia que, onze anos depois, não passa despercebida aos criadores da nova versão australiana de The Office.
Já disponível no Prime Video, a encarnação pós-pandêmica traz a afiada comediante Felicity Ward como a gerente Hannah Howard — figura avoada, mas totalmente devotada ao trabalho. Carente de vida pessoal, ela se sente ameaçada quando uma supervisora da empresa anuncia que, com o sucesso do home office, todos os escritórios físicos serão fechados. A superiora acena, no entanto, com uma contrapartida: se Hannah conseguir arrecadar 300 000 dólares australianos em um mês com a equipe operando presencialmente, o modelo tradicional voltará. A protagonista apela então ao terrorismo moral para seduzir seus subordinados. “Debra cairia na automutilação se continuasse em casa com as crianças”, justifica em uma reunião — e a tal funcionária concorda. Já os zombeteiros Greta (Shari Sebbens) e Nick (Steen Raskopoulos) veem no esquema presencial a oportunidade de intensificar o flerte entre si e lançar provocações contra a rígida colega Lizzie (Edith Poor) — um esquema tão similar ao que ficou famoso entre Pam, Jim e Dwight na versão americana da série que fica certo gosto de repeteco no ar.
Para compensar a falta de surpresa, há o humor australiano: mais seco e excêntrico, ele evoca o tom cínico do The Office original inglês. O remake aposta nas críticas à hierarquia corporativa — que, por vezes, se recusa a mudar, apesar dos sinais de obsolescência. Nessa atmosfera, Hannah é um achado: a chefe manipula pautas contemporâneas — como a diversidade — para inflar o caixa e garantir que tudo permaneça igual. Mais desengonçada que maquiavélica, contudo, ela permite que Felicity esbanje seus dotes de comédia física e não afaste a afeição do público. Ainda que o mundo seja outro, a The Office australiana não esquece de um segredo fundamental: quando o bicho pega no trabalho, é melhor rir do que chorar.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915