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Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming

Aos 60, Van Damme dá a volta por cima com ‘O Último Mercenário’ da Netflix

Com uma história de altos e baixos, ator belga se recicla com boa dose de humor – e, claro, pancadaria

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 ago 2021, 12h37

Dois jovens encrenqueiros enfrentam na rua um senhor de 60 anos. “O que foi, coroa”, diz um deles. Não demora para que ambos acabem no chão, atingidos por chutes certeiros do “velhote”, que ainda torce o braço de um deles dizendo (na versão dublada para o português): “pede pinico”. O sessentão da cena que faz parte do filme francês O Último Mercenário é ninguém menos que Jean-Claude Van Damme.

Com o físico malhado, cabelo alinhado e olhar sério e penetrante, o ator belga dominou o cinema de ação entre os anos 80 e 90 – era de ouro do gênero testosterona, com outros representantes de músculos definidos e pouca necessidade de abrir a boca, como Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone. Antes um dependente de cenas de luta e da cara de mau sem conteúdo, Van Damme agora encontrou sua melhor versão: o homem maduro e bonachão que não confia só nos muques, mas também numa dose extra de bom humor.

Na trama do longa que lidera os mais vistos da Netflix nesta semana, ele interpreta um ex-agente que saiu de cena há 25 anos, mas precisa voltar à ativa quando seu filho é erroneamente acusado de tráfico de drogas na França. Seu retorno assusta as autoridades que haviam prometido proteger o rapaz na ausência do pai. “Precisamos deixar os anos 90 para trás de vez”, diz uma personagem sobre a necessidade de dar um jeito no agente – ao mesmo tempo que faz uma alusão à juventude de Van Damme no cinema. Hoje, aquele cinema herança da Guerra Fria, que exaltava o homem militar e viril contra estrangeiros, não faz mais sentido. E o ator foi não só duramente afetado pela queda do gênero que o fez famoso, como encontrou em si mesmo um vilão perigoso.

Nascido em uma comuna da região de Bruxelas, na Bélgica, Van Damme era um menino franzino na adolescência, período em que estudou caratê e balé ao mesmo tempo. Perto de se tornar um bailarino profissional, optou pelas artes marciais. Em seguida, partiu para Hollywood com o sonho de ser um astro de cinema. Nesta época, morava no próprio carro e trabalhava fazendo bicos, como entregador de pizza e motorista. O primeiro sucesso veio com O Grande Dragão Branco (1988). Van Damme ainda superou os colegas fortões por abraçar o estilo sexy, com roupas justas e ensaios provocativos, se tornando símbolo sexual de mulheres e da comunidade gay. Os excessos da fama, porém, não lhe caíram bem.

Em menos de uma década em Hollywood, o belga ganhou a fama de difícil e canastrão. Seus muitos casos e os cinco casamentos tomaram os tabloides sensacionalistas. Os atrasos nas filmagens irritaram produtores. E o vício em cocaína se mostrou o golpe final para fazer dele uma persona non grata no meio. “Destruí meu corpo”, chegou a dizer o ator. O calvário se prolongaria por anos, nos quais ele entrou e saiu de tratamentos contra o vício, lançou diversos filmes ruins e fracassados em bilheteria, teve pensamentos suicidas, e foi diagnosticado com transtorno bipolar além de vigorexia – distúrbio psicológico no qual a pessoa acredita que nunca está forte o suficiente.

A volta por cima vem sendo moldada por ele desde 2008, quando lançou o filme satírico JCVD, sigla para seu nome. Na trama, ele interpreta a si mesmo, ironizando os absurdos dos longas de pancadaria e as fragilidades da masculinidade. O processo longo resulta agora no divertido filme da Netflix. Ao 60, Van Damme ainda desfere chutes impressionantes e arranca alguns suspiros, mas sua força reside no poder de não se levar mais tão a sério. Que bom.

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