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Do burnout a hit na web: a americana que bombou por ler Machado de Assis

Em entrevista a VEJA, a tiktoker de leitura Courtney Henning Novak fala sobre sua surpresa com a enxurrada de seguidores brasileiros

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 ago 2024, 09h00

Dona de casa responsável pelos filhos enquanto o marido trabalha, a americana Courtney Henning Novak se desdobrava há anos para participar de todas as atividades extracurriculares dos filhos na escola em que estudam, além de lidar com um pai com câncer que precisava fazer cirurgias no cérebro. A rotina levou a mulher a ter um burnout e, em 2023, ela decidiu finalmente diminuir o ritmo. Para se recuperar, lançou um desafio a si mesma: iniciou um projeto de leitura ao redor do mundo, em que leria um livro de cada um dos mais de 190 países existentes. Logo na letra B, Courtney ficou impressionada com Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e seu vídeo contando a experiência de ler o clássico brasileiro a fez viralizar no Brasil, onde a tiktoker de leitura ganhou fama rapidamente.

Aos mais de 54.000 seguidores no TikTok, plataforma das dancinhas, e no Instagram, rede em que tem outros 26.000 seguidores, a moradora de 45 anos de Pasadena, na Califórnia, compartilha sua rotina conhecendo o mundo, mas é com conteúdo sobre o Brasil que ela vê seu engajamento aumentar. Após insistência dos brasileiros, Courtney conheceu Clarice Lispector e também se encantou. Em entrevista a VEJA, ela fala da fama repentina com internautas do Brasil, seu desafio de leitura e opina sobre Assis e Lispector.

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Confira a entrevista completa:

Como começou esse desafio de ler um livro de cada país do mundo? Eu sou uma advogada, mas parei de trabalhar para ficar em casa com meus filhos, uma menina [Pippa] de 11 anos e um menino [Julian] de 8 — meu marido [Nathan] também é advogado e segue no ofício — e por muito tempo eu fiz voluntariado na escola das crianças, ajudando no grupo de escoteiros, entre outras coisas. Meu pai teve câncer de próstata, mas passou um tempo internado, precisou de uma cirurgia delicada no cérebro, e aí, juntando tudo, tive um burnout, meu cérebro desligou. Então, depois que meu pai se recuperou, ele está bem agora, parei de me doar tanto à escola e quis usar meu tempo livre para ler. A ideia de fazer o desafio surgiu em 2022, mas só comecei mesmo no ano seguinte.

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São quase 200 países no total. Quais são os seus critérios de escolha de cada livro? Gosto de pedir recomendações nas redes sociais de vez em quando, procuro no Google e vou no aplicativo Goodreads, onde acabo lendo toneladas de comentários até fazer uma escolha. Mas também sigo meu instinto, se eu sinto que o livro está me chamando, porque, para mim, o livro precisa nos deixar entusiasmados.

Algum escritor a impactou? Bom, Machado de Assis definitivamente vem me lembrando o quanto eu amo aquela energia lúdica e aquele relacionamento do narrador com o leitor.

Como uma americana, como tem sido a experiência de conhecer as obras de Machados de Assis, como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro? Foi efervescente. Agora, quando estou resenhando um livro depois de conhecer o Machado, é muito difícil para mim dar cinco estrelas. Se não está me prendendo como Machado eu fico ‘será que este autor merece?’. Foi divertido e uma alegria sentar e ler como se isso fosse exatamente o que eu quero fazer. Não parecia que ele apenas trouxe você para um lugar diferente, para um reino diferente.

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Você também seguiu as recomendações dos milhares de brasileiros nos comentários das suas redes sociais e conheceu Clarice Lispector. Ela causou uma impressão parecida? Sim, ela é divertida à sua maneira, de uma forma mais sombria, mas usando gramática e linguagem como se fosse bruxaria. É como se ela não estivesse praticando escrita, mas bruxaria. O que ela faz eu nunca havia visto sendo feito antes.

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Depois de ler autores de 50 países até agora, o que diria que é tão único na literatura brasileira? É uma sensação muito exuberante. Eu só li os dois escritores brasileiros, mas ambos pareciam estar escrevendo da maneira que sentiam que deviam escrever, não escrevendo como alguém ditou que eles deveriam escrever, não escrevendo para agradar os críticos, editores ou público. Eles simplesmente estavam ouvindo aquele chamado interior dentro e o seguiram.

Há algum país que está mais animada para ler um livro de lá? Estou ansiosa sobre Israel, porque acho que haverá uma reação sobre isso. Nos Estados Unidos tem sido uma questão polêmica, eu sou meio judia, então tem uma parte de mim que está prendendo a respiração. Vejo que há muito ódio e que muitas pessoas não enxergam as complexidades dessa história, é tudo preto no branco. Vi um comentário dizendo para eu não fazer Israel, mas se eu não lesse obras de países que eu não concordo sobre suas políticas talvez eu nem tivesse começado esse projeto de leitura ao redor do mundo.

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