Bem-vestido, olhos azuis, carro de luxo e com uma loira estonteante a tiracolo, Pedro Dom é um rapaz acima de qualquer suspeita aos olhos dos seguranças e porteiros da abastada Zona Sul carioca. Munido de informações privilegiadas sobre moradores ausentes, ele entra pela porta da frente em mansões e apartamentos luxuosos, onde seu “bonde”, escondido no veículo, faz a limpa levando joias, dólares e até uma coleirinha de cachorro cravejada de brilhantes. A parte de Dom nos assaltos tem um destino específico: alimentar o vício em cocaína que o acompanha desde os 13 anos.
Sedutor e inconsequente, Pedro Dom, o “lorinho” ou “playboy”, alcunhas de Pedro Machado Lomba Neto no morro, ganhou as manchetes policiais no começo dos anos 2000 pelo modo como orquestrava os roubos espetaculares — e por atestar que a criminalidade não se resume aos estereótipos raciais e sociais que a seguem. Outro dado irônico: seu pai, Victor, era um policial que nos anos 70 combateu a chegada da cocaína ao Brasil. A história cheia de realismo e violência caiu nas mãos de Breno Silveira, diretor de tramas que produzem lágrimas abundantes, como 2 Filhos de Francisco. Nascia então Dom, a primeira série dramática nacional do Prime Video, da Amazon, que acaba de lançá-la nos 240 países onde atua. Com mais cinco títulos brasileiros a caminho, a plataforma intensifica sua busca por conteúdos regionais capazes de conquistar um público global. Missão que Dom tem músculos para cumprir.
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Longe de ser mais um “drama de favela” genérico, a série estrelada por Gabriel Leone e Flávio Tolezani — como Dom e Victor, respectivamente — evidencia como as drogas podem afetar não só uma família, mas a dinâmica de uma cidade inteira. Adaptar a história foi um desafio à parte. Há treze anos, Silveira foi procurado pelo Victor da vida real — que, ainda abalado pela morte de Dom, em 2005, expôs assombrosas revelações com o intuito de inspirar um filme sobre o filho. “Ele me disse: ‘Passei a vida combatendo a droga, e não vi quando ela entrou no meu próprio sangue’”, diz Silveira. O projeto do filme não andou, mas agora ressurge como série.
Morto em 2018, Victor era uma figura de conduta questionável. Mergulhador profissional, foi aliciado por um militar em 1969 para mapear os pontos usados pelo tráfico no litoral do Nordeste. Um dia, topou com uma carga de pacotes que desconhecia. Foi a primeira vez na vida que ouviu a palavra cocaína. Seu envolvimento com a luta antidrogas o levou a trabalhar infiltrado na Favela Santa Marta, na Zona Sul do Rio, testemunhando a mudança radical nos morros cariocas, de residência de pessoas de baixa renda em epicentro da violência. O dinheiro do narcotráfico trouxe armas e corrupção. Apesar do discurso nobre de combate aos traficantes, Victor era movido, no fundo, pela necessidade da adrenalina — o policial disfarçado dizia se sentir um “007 brasileiro”. O mesmo gosto pelo perigo era partilhado pelo filho, diagnosticado com uma condição do sistema nervoso que o impediria de sentir dor. Pedro, porém, acabou no lado oposto do pai.
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Com apenas 13 anos, ele foi internado pela primeira vez em uma clínica de reabilitação. No total, foram quinze intervenções médicas, e uma temporada na Febem (hoje, Fundação Casa) — quando, de fato, estabeleceu contato com a criminalidade. Os roubos esporádicos ganharam caráter cada vez mais profissional, até o “bonde” se tornar refém da Polícia Militar, que o encobria em troca de propina, num vislumbre do que viriam a ser as milícias. Pedro e Victor se veem em uma intrincada rede de poder, que envolve políticos e policiais, provando que o combate ao tráfico no Brasil é uma batalha inglória — e sem fim.
Para além de servir como um espelho do país, Dom prende por seu quadro humano desolador. Leone brilha como o rapaz simpático e apaixonado pelo pai, mas que choca com seus rompantes de violência e comportamento suicida. Tolezani veste com destreza o figurino de Victor, o pai que não mede esforços para salvar o filho, mas age de forma temerária: o policial chega a subir o morro enfrentando traficantes para encontrar Pedro. Sua história ainda é manchada pela participação no infame Esquadrão da Morte, que executava desde criminosos até críticos da ditadura militar. A adrenalina de ambos transborda na tela, em cenas nas quais a vida real supera a ficção de forma espantosa. Como afirma Silveira: “É uma loucura que só a realidade sabe criar”.
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741
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