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Euros na calcinha: doc da Netflix desnuda a peculiar doleira Nelma Kodama

'Doleira: A História de Nelma Kodama' narra a trajetória errática da mulher presa na Operação Lava-Jato

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h06 - Publicado em 4 jun 2024, 10h01

Em 2014, o noticiário do Brasil foi tomado completamente pela Operação Lava Jato, investigação da Polícia Federal que prendeu políticos, empresários e doleiros envolvidos em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro com a Petrobrás. Entre os primeiros presos, uma figura se destacava: a doleira Nelma Kodama, amante de Alberto Youssef, doleiro que tinha negócios ilícitos com empreiteiras e que aceitou fazer delação premiada a fim de diminuir sua pena. Além do namoro com Youssef, fatos que marcaram a trajetória de Nelma incluem sua prisão em um aeroporto com o relato de que ela teria tentado fugir do país com 200 000 euros escondidos na calcinha — detalhe negado por ela até hoje, “o dinheiro estava nos bolsos de sua calça” — e por ter cantado Amada, Amante, de Roberto Carlos, durante seu depoimento à CPI da Petrobrás. Outro ponto alto de sua trajetória foi o ensaio fotográfico usando vestidos de grife sem esconder a tornozeleira eletrônica. As excentricidades da empresária descendente de italianos e japoneses é explorada no documentário Doleira: A História de Nelma Kodama, que estreia na próxima quinta-feira, 6, na Netflix.

Com pouco mais de 90 minutos, encenações, depoimentos, recortes de noticiários — e alguns furos, o documentário narra a história de Nelma Kodama de forma superficial e um pouco confusa, transitando entre passado e presente, iniciando com um resumo de como a mulher que se formou dentista em Lins, no interior paulista, foi movida por sua ambição financeira até se jogar no mundo de transações de dólares de dentro do Brasil para o exterior após se envolver com um operador de câmbio em Santo André, no ABC Paulista.

Com depoimento de Nelma de sua mansão luxuosa no bairro Campo Belo em São Paulo e também de dentro de uma penitenciária em Salvador — onde ela ficou presa alguns meses no ano passado sob suspeita de tráfico internacional de drogas –, o filme pincela a rápida ascensão de Nelma como uma mulher de negócios que foi capaz de conquistar um espaço predominantemente masculino. Depois, uma explicação de como funcionava as operações financeiras dos doleiros é desenhada por jornalistas, especialistas e envolvidos nos esquemas, como Luccas Pace Júnior, operador de dólar e ex-braço direito de Nelma. Um momento cômico é a descrição de Nelma sobre os dias em que ficou presa na sede da PF ao lado de Paulo Roberto Costa, Youssef e Pedro Correa.

A produção é até interessante dada a história repleta de absurdos e a forma como a própria Nelma mostra sua contradição por não se ver como uma criminosa. “Eu não era contra a lei”, argumenta ela. Entretanto, o documentário também peca principalmente por sua edição com pontos desnecessários, como depoimentos de colegas de faculdade que pouco acrescentam à narrativa, servindo apenas para atestar que a doleira tinha uma personalidade “aventureira” na juventude, além de excluir partes cruciais, como a cantoria na CPI — o filme narra o episódio, mas não exibe o trecho fatídico de Nelma, de cabeça raspada após a prisão, cantando os versos da canção de Roberto Carlos, com coro de parlamentares.

A doleira foi condenada a 18 anos de prisão, mas o documentário também deixou de mencionar o indulto natalino concedido por Michel Temer, então presidente do país, em 2017, o que permitiu a extinção da pena de Nelma em 2019. Com uma estranha passagem de tempo, a produção mostra a prisão de Nelma em Portugal após ela ser apontada como mandante de um esquema de tráfico de drogas. Para quem não conhece a história ou nunca ouviu falar de Nelma, ela foi de presa domiciliar com tornozeleira eletrônica em um apartamento de luxo no Brasil a presa em Portugal — depois transferida a Salvador — em menos de 20 minutos, mas sem nenhuma explicação nem nexo.

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O documentário se apoia em uma trilha sonora típica de filme americano criminal e parece comprar a tese de sua protagonista: ela e seu dedo podre se apaixonaram pelo homem errado, diversas vezes ao longo da vida. Afinal, além do primeiro namorado que lhe apresentara o mundo das transações em dólar e de seu relacionamento de quase 10 anos com Alberto Youssef, a doleira também namorou Raul Srour — outro preso na Lava-Jato –, e recentemente Rowles Magalhães Ferreira da Silva, que seria o responsável pelas drogas encontradas em um avião atrelado a ela em Lisboa, onde Nelma ficou presa meses até ser extraditada para o Brasil e ser detida em Salvador. Ela nega o crime e tenta provar sua inocência em liberdade condicional.

O filme termina com a saída de Nelma da prisão — em uma possível tentativa de emocionar o espectador, seguida por uma constrangedora reunião da mesma com seu time de advogados.

Atualmente, Nelma Kodama deve à Receita Federal 127 milhões de reais, além de uma multa de 800 000 reais e não se sabe de onde vem sua renda para bancar um apartamento de 500 metros quadrados e avaliado em 10 milhões de reais no Campo Belo, em São Paulo. Ela usa de novo tornozeleira eletrônica e compartilha sua rotina no Instagram — sem esconder o adereço.

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Doleira: A História de Nelma Kodama desnuda a história da “estrela da Lava-Jato”, mas termina com pontas soltas ao excluir fatos relevantes da narrativa.

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O documentário da Netflix foi dirigido por João Wainer, roteirizado por Camila Kamimura, produzido por Camilla Vilas Boas e Roberto T. Oliveiras e com produção-executiva de Carol Amorim e Yara Camargo.

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