Dividido entre trabalhos no Brasil e nos Estados Unidos, o cineasta Fernando Meirelles dirige o quarto episódio (do total de sete) da minissérie O Simpatizante, thriller de espionagem estrelado por Hoa Xuande e Robert Downey Jr, da HBO e disponível na Max. A série segue Capitão (Xuande), um espião comunista infiltrado no exército vietnamita do lado oposto. Ao longo da produção, o protagonista cruza com quatro homens que servem de aliados ou antagonistas — todos interpretados por Robert Downey Jr.: o agente da CIA Claude, o professor Hammer, o congressista Ned Godwin, e o diretor de cinema Niko Damianos. Na parte conduzida por Meirelles, o roteiro abusa dos clichês americanos com Niko Damianos rodando um filme sobre a guerra do Vietnã sob o ponto de vista de soldados dos EUA.
Em entrevista a VEJA, Meirelles falou sobre a experiência de dirigir o vencedor do Oscar por Oppenheimer, de sua chegada ao projeto e das sátiras ácidas aos próprios americanos no capítulo que dirige.
Confira:
O senhor chegou a viajar para o Vietnã para gravar a série? Não precisei viajar até lá porque essa coisa de fazer um filme sobre um Vietnã autêntico sem sair dos Estados Unidos é uma piada do próprio roteiro. E no final o diretor [Niko Damianos, personagem de Robert Downey Jr.] vai rodar na fazenda da família dele, ele realmente não quer nem sair de casa. Essa é a grande piada, ele quer ser autêntico, quer sentir a coisa real, mas não consegue dar um passo para fora do próprio quintal.
Como foi o convite para dirigir a série? Eu fui convidado para fazer quatro episódios dessa série. O Park Chan-wook ia dirigir os quatro primeiros episódios, e eu faria os quatro últimos, mas eu já estava há muito tempo longe de casa gravando a série Sugar [da AppleTV+] e tive a ousadia de perguntar se eu podia fazer só esse quarto episódio porque eu tinha gostado muito do roteiro, por ser uma história meio fora da história principal, independente. Para minha surpresa, os produtores acharam ótima a ideia e deixaram, disseram: ‘Faça, e faça do seu jeito’.
Como foi dirigir Robert Downey Jr.? Essa foi uma das partes boas do processo, ele é muito criativo, ninguém é uma estrela por acaso. Um take com ele é uma coisa, o segundo já vai ser outra coisa completamente diferente, ele muda o texto, então foi um prazer muito grande. Porque quando você fala ‘ação’ você fica não só vendo se a cena tá ficando boa, mas você fica esperando o que que esse cara vai inventar. Ele não faz os dois takes iguais. Você mistura e usa o que é bom, mas é um prazer e ele se diverte tanto, ele gosta tanto de fazer esse trabalho dele, que é muito gostoso ver o cara mandando bala lá e inventando. E eu não sou muito rígido, tem diretores que gostam de controlar o enquadramento, o texto, o tom, e eu sou contra isso, eu gosto de dar gasolina. Eu vi que o cara era maluco no bom sentido, então o que eu faço é jogar gasolina para ver até onde ele vai. E quem vê o episódio vê que ele quase alucina, de tão maluco que ele tá, mas é o estilo dele, e eu adorei, acho um cara consistente. E por causa desse método de deixar ele voar nós combinamos de fazer alguma outra coisa juntos. Vamos ver se vai rolar, talvez nunca role, mas foi uma conexão boa.
Já era próximo da produção de O Simpatizante? A série tem dois showrunners, o Park Chan-wook e Don McKeller, além do produtor Niv Fichman. Eu trabalhei com estes dois últimos em O Ensaio Sobre a Cegueira [2008], somos todos amigos. Eu estava encerrando Sugar nos Estados Unidos, e aqui estavam começando essa produção, fui almoçar com o Niv, e ali ele falou de O Simpatizante, não achava que eu ia topar, mas eu li o roteiro, avisei que não poderia fazer todos os episódios, mas gostaria de fazer um deles — eu também achei que eles não iam topar, mas deu certo a nossa dinâmica, o Park dirigiu os primeiros três episódios, eu fiz o quarto, e o Marc Munden ficou com os três capítulos finais.
Foi desafiador dividir a direção dessa forma? Acabou que não teve muita divisão. Achei que teria mais, mas a primeira vez que eu encontrei com o Park, que é o principal diretor da série, minha primeira pergunta foi checar se ele queria que eu fizesse algo parecido com o que ele tinha feito nos primeiros episódios, em questão de enquadramento, etc, mas ele me disse que a minha história era independente e que eu poderia fazer do meu jeito, e foi o que eu fiz.
Uma das piadas mais engraçadas no episódio é a brincadeira com “atores de método”, que mergulham no personagem e não saem dele nem quando as câmeras estão desligadas. Já trabalhou com astros desse tipo no Brasil ou em Hollywood? Tem muitos, acho que o mais seguidor disso foi o Ralph Fiennes, de O Jardineiro Fiel [2005], ele fica no personagem, mesmo quando você corta, vai para casa e vai jantar com ele. Ele segue no personagem. Acho que o Daniel Day-Lewis é o mais famoso desse tipo, do ator que entra em um nível espiritual da coisa, quer ser chamado pelo nome do personagem, etc. O episódio brinca com isso, o ator faz um soldado e não quer nem tomar banho, dorme numa barraca, é curioso. Mas a melhor piada desse episódio para mim é sobre a incapacidade dos americanos, porque o diretor quer ser muito autêntico, contar uma história muito autêntica, mas os americanos são incapazes disso. Com qualquer história. Vai contar a história do Vietnã, mas o protagonista e o ponto de vista têm que ser americano, ele tem que gravar do quintal de casa e não consegue olhar por um outro ponto de vista. ‘A visão de mundo é minha e ponto final’. Tem um arrogância aí, e o episódio faz piada com isso.
Acompanhe notícias e dicas culturais nos blogs a seguir:
Tela Plana para novidades da TV e do streaming
O Som e a Fúria sobre artistas e lançamentos musicais
Em Cartaz traz dicas de filmes no cinema e no streaming
Livros para notícias sobre literatura e mercado editorial