Guel Arraes, sobre clã político: “Ninguém é bolsonarista, graças a Deus”
Diretor falou a VEJA sobre sua convivência numa família ligada à política e o modo como aborda problemas sociais nas telas
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Sua família vem de uma longa tradição na política de Pernambuco. Por que seguiu outro caminho? Havia essa expectativa, mas eu queria fazer algo que me causasse a empolgação que via no meu pai (o ex-governador Miguel Arraes). Encontrei isso na arte, que também é expressão política. Me desvencilhar desse “superpai” foi difícil. Mas aprendi com ele que política é influenciar e melhorar a vida das pessoas.
A polarização política também afetou sua família? Mais ou menos. Ninguém é bolsonarista, graças a Deus.
Melhor então dizer que foi um desentendimento dentro da esquerda, quando João Campos e Marília Arraes, que são primos, se enfrentaram pela prefeitura do Recife. Como ficou o clima na família? Temos uma regra geral que é: não discutimos política na mesa do Natal, em casamentos, grupo de WhatsApp. No Nordeste, a tradição familiar é muito forte e fica acima de outros assuntos.
Seu pai foi exilado na ditadura militar. Como é lembrar daquele período? Fomos para a Argélia e não tenho memórias ruins, pois fui um exilado de segunda geração. Foi um período difícil para o país e me choca ver o atual presidente exaltando aquela opressão.
Seu próximo filme é uma adaptação atual de Grande Sertão: Veredas na favela. Por que essa escolha? Para mim, é um dos maiores livros do mundo e queria adaptá-lo sem ser de época e no sertão, como já foi feito. O Brasil lida com três questões enormes: a violência, a corrupção e a influência da religião. São dilemas de cunho político e social, mas que viraram questão artística.
E isso é um problema? O cinema assimilou essas questões dando origem ao favela movie. Seus dois maiores representantes são Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007). Um é o ponto de vista do criminoso e o outro, da polícia. Mas se nem a direita nem a esquerda sabem o que fazer com a violência urbana brasileira, querem que a gente resolva? O artista não tem essa responsabilidade.
O senhor estreou no streaming com Vai Dar Nada. Como analisa esse momento do audiovisual? É a primeira vez que o audiovisual brasileiro recebe um bem-vindo investimento estrangeiro. É preocupante que as plataformas tragam tanto conteúdo internacional e que o nacional seja ofuscado. Mas é curioso e interessante ver a chegada de novos formatos, como a telessérie, além da mudança no mercado — caso da Globo, por exemplo, que tem se movido não para concorrer com o SBT, mas sim com a Netflix, a Disney, entre outros.
Publicado em VEJA de 29 de junho de 2022, edição nº 2795