‘La Casa de Papel: Coreia’: o que esperar de remake do fenômeno da Netflix
Remake repete sem brilho estrutura e enredo do sucesso original espanhol, com reunificação fictícia das duas Coreias como plano de fundo
Dançando ao som de uma música do BTS, maior grupo de k-pop da atualidade, uma jovem desce as escadas de uma universidade norte-coreana sob olhares julgadores. Ela revela então que, ao contrário de muitas “armys” (como são chamadas as fãs do grupo), teve de abandonar os estudos para integrar o exército da Coreia do Norte. Anos depois, sob o surpreendente (e fictício) evento de uma reunificação das duas Coreias, a mulher se muda para Seul, capital do país vizinho. Lá, contrariando suas expectativas, ela enfrenta dificuldades econômicas e acaba se tornando uma criminosa. A personagem revela ser Tóquio (Jeon Jong-seo) – entregando que se está diante da versão sul-coreana de um dos maiores hits da Netflix. Em La Casa de Papel: Coreia, disponível no catálogo da plataforma, o grupo de assaltantes em macacões vermelhos e máscaras risonhas põe em ação o plano de roubar 4 trilhões de wons da Casa da Moeda, um crime tão improvável quanto revolucionário. No remake, a estrutura básica da trama e seus personagens amados e odiados pelo público se repetem em uma coloração própria. A teledramaturgia da Coreia do Sul tem fama de transformar em ouro tudo o que toca. Mas não é o caso aqui: a produção não é nada inovadora.
A espanhola La Casa de Papel foi sucesso absoluto – embora de qualidade questionável – na Netflix, e emplacou cinco temporadas, três das quais ainda figuram no ranking das séries mais populares em língua não-inglesa da plataforma. A quinta delas perde apenas para a por enquanto única temporada de Round 6, a popular distopia sul-coreana, que lidera o top 10. Em comum, La Casa de Papel e Round 6 combinam o excesso de violência e as críticas sociais rasas em clima de revolta contra o capitalismo selvagem. A ideia do remake parecia promissora: unir a história que prosperou mundo afora ao crescente investimento em produções sul-coreanas, juntando dois grandes fenômenos. Uma empreitada interessante – se La Casa de Papel: Coreia não reproduzisse tão literalmente a série original, falhando em consolidar uma essência própria.
O maior aceno de originalidade da nova versão está no plano de fundo político imaginado pelos roteiristas. Em cores vibrantes, é concebido um futuro próximo em que a reunificação das duas Coreias, Norte e Sul, está em curso. A Casa da Moeda, criada para a impressão de uma moeda comum, é o alvo dos assaltantes, e está situada na Área de Economia Conjunta (AEC). No contexto da série, o gosto de esperança advindo da cooperação econômica levou à imigração em massa de norte-coreanos para o sul. Para além do intercâmbio cultural acelerado, ambos os lados logo percebem que a união só beneficiaria os mais ricos, enquanto os cidadãos comuns ficam fadados à penúria econômica, ressentidos com o capitalismo que tudo prometia – como bem ilustrado através da história pessoal de Tóquio. O conflito político ganha um tempero a mais quando as duas Coreias devem unir forças policiais pela primeira vez para enfrentar a crise. A divisão entre as duas nacionalidades não aparece só na polícia, mas também se espelha entre os reféns e os próprios assaltantes. São os conflitos históricos refletidos nos dramas pessoais do grupo.
O atrativo real da trama, como na versão original, vai sutilmente se revelando: são os personagens, suas motivações e personalidades conflitantes em briga pelo poder dentro da gangue. As figuras também se repetem: Professor (Yoo Ji-tae), no comando de tudo; Berlim, interpretado por Park Hae-soo, que fez um personagem importante de Round 6, como líder do lado de dentro da Casa da Moeda; a inspetora Seon Woo-jin (Kim Yoon-jin), que de fora negocia com os bandidos; e o restante da equipe, composta por Tóquio, em uma versão mais controlada e pé no chão (diferente da espanhola, que indignava os espectadores com sua impulsividade), uma Nairóbi (Jang Yoon-ju) bem menos carismática, Moscou (Lee Won-jong) e Denver (Kim Ji-hun), pai e filho que, ao lado de Rio (Lee Hyun-woo), servem de alívio cômico, e Helsinki (Kim Ji-hoon) e Oslo (Lee Kyu-ho). Até o insuportável personagem que corresponde a Arturo Román, diretor da Casa da Moeda na versão espanhola, segue intragável no remake.
Apesar das boas intenções, a produção de La Casa de Papel: Coreia perdeu a interessante oportunidade de ousar um pouco mais na história ao reapresentá-la. Como as séries estrangeiras da Netflix costumam ser acessadas por uma audiência global, pouco sentido tem reproduzir uma história tim-tim por tim-tim para um público que já conhece bem a versão original e, por isso, dificilmente passará do primeiro episódio do remake. A esperança fica para as temporadas seguintes, com a possibilidade de um novo curso para a narrativa e para o desenrolar da reunificação coreana.