O ator que sobreviveu ao genocídio em Ruanda para brilhar em ‘Doctor Who’
Ncuti Gatwa superou a dura vida de imigrante na Europa — e agora faz história no papel do herói alienígena
Ncuti Gatwa tinha apenas 2 anos quando sua família foi forçada a fugir de Ruanda, às vésperas do genocídio que levou ao assassinato brutal de 800 000 pessoas no país africano, em 1994. Filho de um jornalista crítico ao regime que promovia a matança inominável contra a etnia tútsi — massacrada pelos rivais hútus —, o jovem tinha poucas chances de sobreviver em sua terra de origem. Felizmente, ele e sua família conseguiram fugir a tempo para a Escócia — onde cresceu seguro, mas não livre de agressões. Lá, ele sonhava em virar ator, mas a pele negra o fazia se sentir “um alienígena”, como descreveu em entrevista à BBC. Aos 31 anos, seu desejo hoje se fez realidade e a conotação de “alien” agora é outra: Gatwa conquistou o papel de um dos mais famosos ETs da ficção, o protagonista de Doctor Who, série que faz sucesso na TV britânica desde 1963 e cuja nova temporada acaba de chegar ao streaming Disney+.
O ator é o primeiro homem negro e abertamente gay a assumir o posto do herói mais longevo das séries, já vivido por doze homens e uma mulher. Capaz de se “regenerar”, o personagem troca de corpo e personalidade por completo para continuar viajando pelo tempo e, com seu charme, ampliou a fama de intérpretes como David Tennant, Matt Smith e Christopher Eccleston. Cheia de dispositivos memoráveis, a franquia movimenta milhões de libras todos os anos com produtos e tem sido capaz de renovar seu apelo junto aos jovens, transcendendo gerações. Logo, encarnar o Doutor é tarefa de relevo — mas isso pouco intimida Gatwa.
Para exprimir a essência do personagem que propaga paz pelo universo após ter perdido seu planeta natal e seu povo, o sobrevivente do genocídio que completa 32 anos em 2024 não precisa se esforçar: ele arrebata em cena graças ao humor e carisma. Gatwa ganhou fama em 2019, como uma das jovens estrelas do hit da Netflix Sex Education, no qual vivia o adolescente Eric — parte alívio cômico, parte tocante retrato de um jovem gay no interior inglês. Depois, veio a ponta como um dos Kens do fenômeno Barbie e, então, o anúncio de Doctor Who. Ao assumir o papel, nem tudo foram flores: Gatwa teve de lidar com um contratempo da era atual — os haters. A patrulha das redes sociais o atacou, vejam só, por emprestar seu rosto negro para um herói tipicamente branco. O talentoso Gatwa não se mostrou nem aí, ainda bem. Para quem escapou do inferno, ser estrela é fichinha.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893