O homem por trás dos monstros que causam terror nas séries
O britânico Barrie Gower é hoje o profissional mais requisitado de Hollywood no filão e tem destaque em atrações como 'The Last of Us'
De todos os cenários pós-apocalípticos possíveis, a quase extinção humana em The Last of Us chegou por meio de um agente improvável: um fungo letal que transforma seus hospedeiros em zumbis. No estágio mais crítico da infecção, o parasita Cordyceps domina por completo o corpo de suas vítimas — e, em um dos episódios do sucesso da HBO, revelou-se capaz de produzir não só mortos-vivos, mas uma besta imensa coberta por fungos. Apelidado de Baiacu, o ser horrendo chocou o público pela brutalidade — e, principalmente, aparência. A riqueza de detalhes parece, em um primeiro momento, fruto de computação gráfica. Mas, escondido por camadas de próteses, está um ator de verdade. Quem transformou o simples mortal no zumbi grandalhão foi um mestre da maquiagem: o britânico Barrie Gower, que é hoje o profissional mais requisitado de Hollywood quando o assunto são monstros.
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O caminho para Gower chegar até grandes produções como The Last of Us, Game of Thrones ou Stranger Things não foi curto. Formado na faculdade de moda da London College, ele começou sua carreira de forma modesta como funcionário do departamento de efeitos visuais da rede inglesa BBC. Nos cinemas, fez sua estreia em 1996, e chegou a trabalhar com Steven Spielberg: são criação dele os ferimentos tão realistas dos combatentes da II Guerra em O Resgate do Soldado Ryan (1998). Mas a verdadeira paixão do artista — as aberrações monstruosas — acabou falando mais alto. Para dar forma ao notório Baiacu, ele e sua equipe fizeram um molde completo do ator Adam Basil. Em seguida, confeccionaram próteses de espuma de borracha e látex. Os retoques finais na roupa de 40 quilos que custou cerca de 2,5 milhões de reais vieram com espinhos, pelos e gel para realçar as minúcias do fungo.
Desde pequeno, Barrie Gower, hoje na casa dos 50 anos, nutria fascínio pelo mundo dos efeitos de maquiagem. O jovem cresceu no norte da Inglaterra durante a década de 70 assistindo a filmes de terror e ficção científica graças ao trabalho do pai, um gerente de cinema local. Seu passatempo favorito era se cobrir com látex, sangue falso e coisas nojentas. “Sempre quis ser um criador de monstros. Era o meu sonho de infância”, revelou em entrevista.
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O devido reconhecimento chegou quando ele deu vida a um dos vilões mais icônicos de Game of Thrones: os olhos azuis penetrantes, o rosto com formato pontiagudo e a pele de brancura vítrea do Rei da Noite são frutos do trabalho do artista. Com moldes confeccionados por meio de lifecasting, técnica que consiste em fazer uma cópia tridimensional de um corpo valendo-se de moldagem e fundição, o ator que interpretou o personagem, Vladimir Furdik, passava mais de quatro horas para aplicar as próteses e fazer a maquiagem. O perfeccionismo rendeu a Gower três Emmys pelo trabalho ao longo da série.
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Foi em busca de um monstro clássico que os irmãos Duffer, criadores de Stranger Things, chegaram até Gower. O resultado da colaboração foi o assustador Vecna, montado pelo maquiador e sua empresa, a BGFX — que ele administra ao lado da esposa, Sarah. Produto do temido Mundo Invertido, o ser fantástico é vivido pelo ator Jamie Campbell Bower — que levava cerca de seis a sete horas para se transformar, num procedimento que o cobria com mais de vinte próteses, além de pintura e maquiagem. Ao final, Bower ainda era melecado com um material inusitado: tubos e tubos de lubrificante, para deixá-lo reluzente. Em uma indústria dominada pela computação gráfica, o trabalho impressiona, sobretudo, por seu virtuosismo artesanal. Se o sono da razão é capaz de produzir monstros, como proclamou o mestre da pintura Goya, as criaturas de Gower são a prova prática disso.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832
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