O maior desafio da Globo com a saída de Bonner do Jornal Nacional
A despedida marca o fim de uma era — e é a deixa para a emissora renovar o apelo do maior telejornal do país

No começo da pandemia, em 2020, William Bonner foi tomado por um questionamento existencial. Âncora do Jornal Nacional desde 1996, ele passou a se incomodar com o que estava fazendo com seu próprio tempo. Acumulando a função de apresentador e editor-chefe desde 1999, o jornalista percebeu que gostaria de passar mais tempo com a família, diminuir o ritmo do trabalho e aproveitar mais a vida. O anseio em se ver livre do peso de comandar o maior telejornal do país foi agravado pelas reações hostis que passou a colher nas ruas em tempos de polarização política. Após cinco anos sendo gestada nos bastidores da Rede Globo, sua aposentadoria do JN enfim foi anunciada pelo próprio, na segunda-feira 1º. Ele deixará o programa em 3 de novembro e, em 2026, vai se transferir para o Globo Repórter, dividindo a apresentação com Sandra Annenberg. No JN, será substituído por César Tralli. “Senti que no meu dia só cabiam as coisas que eu precisava fazer, mas ficavam de fora as que eu também gostaria de fazer”, desabafou Bonner.

A dança das cadeiras é uma mudança de ares necessária não só para Bonner, mas também para o telejornal. Na noite do anúncio, o JN marcou 27,5 pontos de ibope, índice como há tempos a Globo não via, e turbinou sua programação no horário nobre. A façanha escancarou o maior desafio por trás da renovação do JN: a difícil tarefa de ampliar de forma consistente a audiência de uma atração que vem perdendo espectadores. De acordo com dados da Kantar Ibope Media, o telejornal atualmente tem uma média de 21,8 pontos na Grande São Paulo, principal mercado publicitário do país — cinco anos atrás, o índice chegava a 29,7 (veja o gráfico).
Ao longo de seus 56 anos, completados na noite em que Bonner anunciou as novidades, o Jornal Nacional firmou-se como a grande vitrine da informação na TV — e também enfrentou períodos de baixa, diante dos quais teve de se atualizar, mantendo o padrão de excelência de seu jornalismo. No momento, a perda de espectadores é potencializada pela competição inevitável de tudo que a TV e a internet oferecem como alternativa. Nesse contexto, a mudança na dupla formada por Bonner e Renata Vasconcellos, sua companheira de bancada nos últimos onze anos, surge como uma deixa para o JN se reinventar, como sempre fez ao longo das décadas. Diante das mudanças de hábitos de parte considerável do público, impulsionadas pela era da internet, esse desafio é cada vez maior.

A opção pelo competente Tralli como face dessa nova etapa se alinha a um novo perfil buscado pela Globo. Ele tem um pé na reportagem, cultivando fontes e entrando em campo para apurar notícias, e trafega bem pelo mundo digital. Casado com uma legítima expoente do ramo, a apresentadora Ticiane Pinheiro, Tralli é mais ostensivo que Bonner ao compartilhar nas redes sociais sua vida cotidiana. Para deixá-lo mais solto, a Globo manterá Tralli só na função de âncora: editora-chefe-adjunta de Bonner desde 2019, a mineira Cristiana Sousa Cruz assumirá o posto de chefia que ele acumulava.
A saída de Bonner marca o fim de uma era na TV. O jornalista é familiar para os brasileiros — lá se vão 29 anos: é o âncora mais longevo do JN, desbancando até o mítico Cid Moreira, que permaneceu em cena por 26 anos. Parte marcante desse reinado se deu enquanto Bonner dividia a bancada com a então esposa Fátima Bernardes — ela deixou a atração em 2011 e os dois se separaram cinco anos depois. Ao se bandear para o Globo Repórter, Bonner terá o que desejava: tempo à vontade para fazer reportagens e viagens incríveis. Não só ele, mas também a Globo busca novos ares.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960