The White Lotus prova que continua afiada (e imperdível) em nova temporada
De volta, série fala do narcisismo contemporâneo numa Tailândia glamourosa — e cheia de riscos

Diante de uma praia cinematográfica, a turista americana Victoria Ratliff (Parker Posey) recebe o tratamento de dondoca que se espera de um hotel de altíssimo padrão na Tailândia. Enquanto ela sorve a brisa marítima, duas serviçais envolvem-na numa manta aconchegante. Então, o dolce far niente se quebra: a mãe de família é engolfada por um tsunami como aqueles que às vezes arrasam a região. Na cena enigmática da terceira temporada de The White Lotus, que estreia na Max no domingo 16, logo fica claro que ela vivera só um sonho ruim. Mas, como nas duas tramas anteriores criadas pelo americano Mike White, não há nada fortuito em cada detalhe. E aqui, idem: o pesadelo resume a ansiedade que persegue os novos hóspedes super-ricos e os empregados encarregados de mimá-los em meio ao glamour tropical da selva asiática.
Intempéries pessoais igualmente devastadoras, afinal, são armadas com as habituais doses de veneno e ironia por White. Após uma temporada de estreia no Havaí que alcançou êxito expressivo falando de hipocrisia social no meio da pandemia, em 2021, e de uma sequência cômico-criminal ambientada na Sicília, White Lotus encontra na Tailândia o cenário perfeito para falar de outro tema quente: o narcisismo contemporâneo. Um fenômeno embalado pela ostentação egomaníaca nas redes sociais, e traduzido na série por meio da busca de uma espiritualidade difusa que mistura autoajuda e crenças orientais, além do hedonismo regado a álcool, sexo e drogas que tornou famosas as baladas praianas do país no Sudeste da Ásia.

Ou seja, como seu criador já definiu, White Lotus mais uma vez não decepciona ao mostrar “pessoas atraentes em belos lugares fazendo coisas sexy e sujas”. A dondoca Victoria tenta fazer cara de paisagem como esposa bem-sucedida enquanto o marido, Timothy (Jason Isaacs), não relaxa no hotel devotado ao “bem-estar” por causa de um escândalo financeiro que faz seu smartphone tocar sem parar; a filha, Piper (Sarah Catherine Hook), irrita a mãe com a ideia de se internar num mosteiro local para meditar; e os rapazes Saxon (Patrick Schwarzenegger, filho do astro de O Exterminador do Futuro) e Lochlan (Sam Nivola) se entregam a baladas arriscadas e vivem certo clima incestuoso. Tudo o mais na trama são ilusões com alto potencial de desastre, das três amigas de meia-idade que se envolvem com russos suspeitos ao vigia nativo apaixonado pela colega Mook (a tailandesa Lalisa Manoban, estrela da banda de k-pop Blackpink), mas vira alvo de mafiosos.
Ter a chance de “botar fogo na casa” ao fim de cada ano e iniciar a história seguinte do zero é, para White, o que garante frescor à série. Mas o eterno recomeçar traz riscos. Na nova temporada, o desafio era achar alguém à altura de Tanya, personagem pop de Jennifer Collidge que saiu de cena de modo chocante na Sicília. A solução: Tanya virou sujeito oculto explosivo, com a volta da massagista que ela iludiu na temporada de estreia, Belinda (Natasha Rothwell), e de outro personagem familiar. Ainda que o pacote seja ácido, a Tailândia pretende lucrar com isso: filmada em parte no luxuoso Four Seasons da ilha de Koh Samui, a série deve ampliar o turismo no país em 20%. Isso, apesar do início pesado, com direito a tiroteio no hotel. Venha ou não um tsunami, as ondas do destino são sempre imprevisíveis.
Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931