“É uma guerra”, bradava, em 1983, o jornal The New York Times. A batalha em questão colocava de um lado estúdios de Hollywood e, do outro, um canal a cabo que se revelava uma ameaça na disputa por espectadores. Batizado então de Home Box Office, e hoje conhecido por HBO, o canal somava 12 milhões de assinantes nos Estados Unidos, atraía profissionais da área para a produção de filmes exclusivos e era o destino favorito de longas que nos cinemas faziam pouca bilheteria, mas encontravam audiência qualificada na TV. Ironicamente, em um futuro não muito distante, parte da fórmula que fez da HBO o pesadelo dos poderosos da indústria seria usada para destroná-la pela Netflix, a empresa que abruptamente revolucionou o setor ao impor o streaming como regra.
A guerra mudou e a HBO não fugiu da batalha: na terça 29, desembarca no Brasil a plataforma HBO Max, um ano após seu lançamento nos Estados Unidos balançar um setor hoje hiperconcorrido. Chega assim ao streaming a casa de séries que de fato merecem o desgastado adjetivo “icônico” — de Família Soprano e Sex and the City às recentes Game of Thrones e Succession, a HBO se estabeleceu como grife de qualidade na TV. Seus títulos ousados, amparados por orçamentos estonteantes e uma dose extra de sexo e violência (o que rendeu a piada It’s not porn, it’s HBO — Não é pornô, é HBO), atraíram o público adulto de alto poder aquisitivo.
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Parecia natural que a emissora espelhasse sua fórmula de nicho no streaming. Mas os humores do mercado ditaram outro caminho. Pesquisa da empresa de dados Statista mostra que a principal razão que leva os americanos a assinarem mais de uma plataforma é a variedade de títulos. A lógica vem fomentando uma busca por parcerias e fusões. É a máxima “quanto mais, melhor”. Assim, a HBO Max promete 10 000 horas de conteúdo: para além de Game of Thrones e programas originais, fazem parte do pacote títulos infantis da Cartoon Network e a transmissão dos jogos da Uefa Champions League. Outro reforço são os filmes da Warner Bros., como a saga Harry Potter e os heróis da DC. O novo modelo de negócio ainda vai encurtar para 35 dias a janela entre a estreia dos longas do estúdio nos cinemas e sua chegada à plataforma. “O Brasil é estratégico para a expansão do streaming”, disse a VEJA Luis Duran, gerente-geral da HBO Max na América Latina.
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O serviço chega aqui a preços mensais a partir de 19,90 reais e o potencial de crescimento é amplo. “Estimamos que sete em cada dez lares não têm uma assinatura de streaming. Queremos ocupar esses lares”, afirma Duran. Hoje, o HBO Go, serviço que abriga as produções do canal e que vai migrar para a versão Max, é o quinto streaming mais acessado por pagantes no país — atrás de Netflix, Amazon Prime Video, YouTube Premium e Disney+. No mundo, o setor do vídeo sob demanda bateu, no ano passado, 1 bilhão de assinantes e estima-se que vá alcançar, em 2025, a receita anual de 100 bilhões de dólares.
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Não à toa, os antigos titãs do entretenimento acabaram sugados pelos gigantes da tecnologia. A Time Warner, conglomerado que unia HBO e o estúdio Warner, foi adquirida em 2018 pela empresa de telecomunicação AT&T por 108 bilhões de dólares, resultando na HBO Max — que, semanas atrás, se fundiu com o grupo Discovery. Recentemente, a Amazon comprou a MGM, casa de James Bond e Rocky, por 8,5 bilhões de dólares. O catálogo do estúdio, maioral nos tempos áureos de Hollywood, vai reforçar as opções do Prime Video com 4 000 filmes e 17 000 programas de TV — curiosamente, os clássicos da MGM anteriores a 1986, como Dançando na Chuva e O Mágico de Oz, já eram da Warner e não estarão na Amazon, mas na HBO Max. Em agosto, o Brasil ainda recebe o Star+, outro streaming da Disney, voltado ao público adulto. A plataforma vai transmitir conteúdo esportivo ao vivo da ESPN. Não se sabe qual serviço ganhará a guerra — mas o streaming, sem dúvida, já triunfou.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744
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