Na comitiva que levava Ulysses Guimarães a Roma, nos anos 1980, o mato-grossense Jorge Bastos Moreno (1954-2017) era um convidado peculiar. Jornalista com amplo trânsito nos bastidores de Brasília desde o final da ditadura, e figura folclórica que promovia festas prestigiadas por gente influente de todos os matizes, Moreno fora incluído na viagem oficial para cobrir os passos do deputado — então no auge como líder da Constituinte. Mas roubou a cena: num encontro com o papa João Paulo II, ele acabou caindo nas graças do pontífice com tal intimidade que o Vaticano vetou a divulgação de uma foto em que ambos surgiam abraçados. Ao conjugar magnetismo pessoal e um senso de oportunidade profissional por vezes periclitante, Moreno tornou-se símbolo de certo sincretismo tão brasileiro nas relações entre jornalistas, poderosos, lobistas e celebridades. O personagem fascinante, mas pouco conhecido para além das altas esferas, ganha um retrato alentado na série documental O Repórter do Poder, recém-lançada no Globoplay.
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Nascido numa família negra e humilde de Cuiabá, Moreno teve ascensão galopante. Na juventude, mudou-se para Brasília para concluir o segundo grau, depois fez faculdade de jornalismo e, ainda estudante, enfronhou-se nos meandros da política. Já no primeiro furo de reportagem, em 1979, teve a audácia de andar no fio da navalha. Como expõe o episódio inicial de um total de quatro da série, a manchete em que João Baptista Figueiredo confirmava sua candidatura à Presidência foi um golaço, mas resultou de conduta marota. Moreno obteve a declaração off-the-record do próprio Figueiredo, ou seja, sob condição de anonimato. Decidiu, ainda assim, publicá-la, entregando a fonte. A aposta deu certo: mesmo traído pelo jornalista, o general não achou ruim a repercussão da notícia.
Moreno acumulou outros feitos ao longo de sua trajetória — que incluiu uma breve passagem por VEJA nos anos 1980, mas se deu, sobretudo, no jornal O Globo. Em uma de suas reportagens, revelou que um cheque de PC Farias pagara o notório Fiat Elba de Fernando Collor de Mello, peça essencial no impeachment do ex-presidente, em 1992. Como o programa esclarece, contudo, avaliar o personagem só por suas manchetes seria empobrecê-lo. Cedo Moreno se converteu em eminência parda com acesso de Tancredo Neves ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ao atual, Luiz Inácio Lula da Silva. A amizade com Ulysses Guimarães evoluiu para a atuação como assessor do político — o que resume a maestria de Moreno em se mover num delicado amálgama de relações pessoais e jornalísticas.
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Um elemento explorado com frescor na série diz muito a esse respeito: a capacidade do carismático Moreno de fazer com que todos, da garçonete do restaurante a ministros do STF como Gilmar Mendes, orbitassem à sua volta. Não só pela inteligência e bom papo: ele conquistava as pessoas pela boca. Os jantares que dava em sua casa foram, por anos, um evento quente em Brasília. Com o tempo, mais artistas passaram a compor o time de comensais — renovação que se acelerou com sua mudança para o Rio, nos anos 2000.
Entre os chegados nessa nova leva estava o casal Gilberto e Flora Gil: o cantor e a produtora foram a seu primeiro banquete em 2003, em Brasília, quando Gil virou ministro da Cultura. A amizade perdurou até a morte de Moreno, aos 63 anos, de ataque cardíaco. Os laços que criou em torno de si eram tão robustos que os amigos continuam a celebrá-lo — daí nasceu a série do Globoplay, produzida por Flora. “Ele era um mensageiro que conectava várias tribos”, diz ela. A receita do bem-amado do poder era um quitute infalível: a empatia.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834
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