O policial federal Benício (Rômulo Braga) está sedento por vingança: seu melhor amigo e colega de trabalho foi assassinado durante uma fuga em massa de um presídio em Foz do Iguaçu. Logo, o agente se dedica a investigar uma quadrilha de assalto a bancos na fronteira com o Paraguai, a qual pode estar envolvida no resgate dos detentos. Em outra ponta da equipe, Suellen (Maeve Jinkings) acaba de voltar da licença-maternidade e está mais do que disposta a provar seu valor dentro da corporação. Para isso, ela não se furta a arriscar a própria vida, enquanto é sujeita a trabalhar com Benício, dono de um gênio forte e com gosto por quebrar os protocolos.
A dupla de protagonistas de DNA do Crime, primeira série policial brasileira da Netflix, que estreia na terça-feira 14, ecoa a fórmula dos dramas do gênero americanos bem conhecidos por aqui: no caso, os parceiros opostos que precisam se ajudar para prender criminosos — e, de preferência, sobreviver. Mas a receita, é claro, tem nuances tropicalizadas e explora todas as peculiaridades da realidade brasileira, como a corrupção dentro das forças de segurança, o uso desmedido de violência, a falta de treinamento adequado para enfrentar bandidos cada vez mais organizados e a eterna discussão dentro da sociedade sobre qual a dose necessária de repressão para lidar com o problema. A ideia que eleva os agentes da lei a salvadores da pátria, aliás, foi o motor que impulsionou o fenômeno Tropa de Elite, de José Padilha, em 2007 — o diretor, porém, garante que parte do público fez uma leitura errônea da trama, afinal, o truculento Capitão Nascimento eternizado por Wagner Moura não é nenhum modelo de comportamento a ser aplaudido.
Agora, no caso da leva vigorosa de séries de TV produzidas dentro do universo do streaming, a proposta é tratar com lentes humanizadas, mas críticas, o complicado ofício de ser um policial no Brasil — sem classificá-los como mocinhos, nem vilões. DNA do Crime reforça o time que já conta com as eletrizantes Arcanjo Renegado e A Divisão, ambas no Globoplay, a primeira sobre um policial rebelde do Bope, a segunda sobre uma divisão antissequestro no Rio. No próximo dia 17 estreia no Prime Video a inédita Amar É para os Fortes — criação de Antonia Pellegrino, Camila Agustini e do rapper Marcelo D2, que se propõe a ser a mais imparcial entre elas. Na trama, um PM mata um garoto inocente de 11 anos, em uma ação desastrosa na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro. A partir daí, o roteiro acompanha de forma sensível as consequências da tragédia tanto na vida da família da vítima quanto na do policial — ambas formadas por pessoas negras, um catalisador extra na tensão racial patente entre agentes da lei e moradores de comunidades pobres do Rio. “Nessa guerra que a gente vive, que afeta tantas famílias, não tem nenhum vencedor”, disse Marcelo D2 a VEJA (leia mais abaixo).
Ao equilibrar os dois lados, Amar É para os Fortes tenta não só causar empatia entre os críticos mais duros da polícia, como também levar à reflexão quem a defende cegamente. Tal efeito reverbera entre os atores das produções do gênero. “Ser um policial é estar em um lugar de risco permanente”, afirma Maeve Jinkings, de DNA do Crime. “Sair de casa sem saber se vai voltar é uma coisa que não passa pela minha cabeça sendo atriz. Após interpretar a Suellen, eu olho para esse ofício de outra forma.”
A série do Prime Video também aposta nas nuances dessa realidade. Ali, a mãe do garoto morto, Rita (Tatiana Tiburcio, excelente), entra em uma luta desenfreada por justiça, trajetória que passa por enormes empecilhos, como a força das milícias e do sistema corrupto e de autoproteção policial. Já o jovem policial que efetuou o disparo cai nessa teia por medo de desapontar a mãe dona de casa e o pai, que em breve assumirá o cargo de corregedor da PM. “Às vezes, a gente fica sem conseguir escolher um lado mesmo”, diz D2. A Divisão, que acaba de ganhar uma terceira temporada, vai ainda mais fundo ao mostrar a linha tênue entre a lei e os criminosos no país ao colocar, lado a lado, um agente de Entorpecentes (vivido por Silvio Guindane) e um inspetor ligado a bandidos (Erom Cordeiro), que usam métodos pouco tradicionais para resolver casos complicados de sequestros.
Planet Hemp: mantenha o respeito
Nem todas as produções atuais, é verdade, tentam usar fórmulas mais sofisticadas. Negociador, com Malvino Salvador e Barbara Reis, ficou por semanas entre as séries mais vistas do Prime Video ao mostrar com um roteiro sofrível um agente que negocia o resgate de reféns. Outro exemplo de sucesso é Aeroporto — Área Restrita, da Discovery, reality com flagrantes reais a turistas que tentam contrabandear mercadorias para dentro do Brasil. Mas, inegavelmente, são os roteiros que fogem do maniqueísmo a grande bala de prata da temporada.
“Nessa guerra, ninguém ganha”
O rapper Marcelo D2, cocriador de Amar É para os Fortes, fala sobre a produção e lamenta os conflitos constantes nas comunidades do Rio.
Na série, um policial mata acidentalmente um menino inocente em uma operação na Maré (RJ). Por que quis mostrar as consequências da tragédia não só na vida da família da vítima, como na do PM também? A ideia era expor que nessa guerra que a gente vive, que afeta tantas famílias, não tem nenhum vencedor. Só piora e morre mais gente. A polícia do Rio é a que mais mata, mas também é a que mais morre. Essa estatística não é boa para ninguém.
A trama também aponta como as milícias cariocas assolam a cidade. Consegue vislumbrar um fim para esse problema? Eu nasci e cresci nesses subúrbios e só vi piorar até agora, mas, como artista, quero enxergar o copo bem cheio. É complicado que a milícia está tomando a política de assalto. Mas eu tenho cinco filhos e quero mirar um Brasil sem violência.
Por que acha que esse gênero de séries policiais faz tanto sucesso no Brasil? Eu acho esse universo da lei fascinante e acredito que faça parte da identidade cultural brasileira. Por isso o interesse por essa dualidade de como a polícia age para nos defender, ou não.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867
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