Raphael Montes: a ascensão fatal do autor que vendeu 1 milhão de livros
O escritor se impõe como nome quente do mercado editorial, chama a atenção no exterior e ganha novas adaptações na TV

Raphael Montes ainda desfrutava do gostinho de lançar o primeiro livro, Suicidas (2012), quando ouviu uma reclamação compreensível de sua mãe, Adriana: o título da obra a deixava um tanto desconfortável na hora de contar para as amigas sobre a estreia do filho como escritor. Ela, então, pediu que ele escrevesse um romance. Montes topou — mais ou menos. Interessado no lado obscuro da humanidade, ele pesquisou sobre amores obsessivos, semente de seu segundo livro, Dias Perfeitos, lançado em 2014 e que acaba de se tornar série no Globoplay. Na trama, o psicopata Téo, papel de Jaffar Bambirra, sequestra Clarice, vivida por Julia Dalavia, e vive — apenas em sua mente doentia — uma história de amor. O livro virou best-seller e a opinião das amigas da mãe do autor perdeu drasticamente a relevância: isso porque, certo dia, o telefone da casa da família tocou e Adriana notou uma voz familiar do outro lado da linha. Era ninguém menos que Fernanda Torres. A atriz havia lido Dias Perfeitos e, inebriada, conseguiu o número do jovem prodígio para parabenizá-lo. “Foi ali que minha mãe aceitou que eu era mesmo um escritor”, ironiza Montes ao narrar o episódio (leia a entrevista abaixo).
A validação da atriz e escritora, que o comparou ao mestre do suspense Stephen King, era só o início de uma longa lista de admiradores que cresceu exponencialmente desde então. Hoje, o carioca de 34 anos celebra a marca notável e rara a um autor nacional de 1 milhão de livros vendidos no Brasil. O sucesso não se resume ao mercado livreiro. A obra de Montes virou prato cheio para o audiovisual: boa parte de suas tramas está em desenvolvimento para futuras adaptações nas telas. Antes de Dias Perfeitos, já foi vertido em série o romance policial Bom Dia, Verônica, assinado por ele em parceria com a criminóloga Ilana Casoy, pela Netflix, e em filme o suspense Uma Família Feliz, com Grazi Massafera de protagonista. Fora as adaptações, Montes ainda escreveu a novela Beleza Fatal, um fenômeno estrondoso e original da plataforma HBO Max. Além disso, ele leva sua grife a longas sobre personagens femininas da crônica policial brasileira: roteirizou dois filmes sobre Suzane von Richthofen, ao lado da mesma Ilana Casoy, e prepara um sobre Elize Matsunaga para a Netflix.

A próxima fronteira no horizonte do autor é o mercado internacional. Traduzido para vinte idiomas, mas ainda tratado como o “autor exótico brasileiro”, Montes recebeu recentemente propostas de editoras de prestígio americanas. Fechou com a nova-iorquina Celadon Books um lucrativo acordo de seis dígitos para lançar por lá o livro Jantar Secreto, seu best-seller no Brasil: na trama ousada, pessoas ricas pagam caríssimo para comer, vejam só, carne humana — claro, de pobres. Um segundo título a ser publicado pelos americanos está em negociação — e pode ser seu aguardado novo livro previsto para o ano que vem. Trata-se de um thriller erótico com elementos de sadomasoquismo. “Gosto de brincar com subgêneros do romance policial”, diz ele com um sorriso largo, como um garoto que desembrulha um brinquedo novo.
O filão policial é historicamente uma vertente pouco explorada pela literatura nacional, apesar de expoentes como Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza. Quando Montes imaginou suas primeiras histórias de suspense, na adolescência, pensou em cenários estrangeiros e céus nublados — enquanto sua janela dava vista para a ensolarada Copacabana. No curso de direito se viu envolto em reflexões éticas sobre os casos estudados. Notou o óbvio: o Brasil é cenário perfeito para a ficção criminal.
Com criatividade e sem ambição de agradar gregos e troianos, Montes tece histórias intrigantes, que falam especialmente ao público jovem. “Ele tem um talento duplo: é excelente escritor e sabe se comunicar bem e divulgar a própria obra”, diz Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, que lança o autor. Longe de fazer o tipo taciturno, Montes é sorridente, midiático, presente nas redes sociais e capaz de passar horas em eventos autografando livros de fãs e tirando selfies sem reclamar: seu recorde foram oito horas seguidas.

No caminho de transformar o próprio nome em uma marca, criou em 2021 a Casa Montes em sociedade com o marido, Victor Prataviera. A empresa nasceu como espaço para negociações em torno de sua obra, mas se expandiu para outras parcerias. Foi ali que nasceu Beleza Fatal e é de lá que vai sair o próximo projeto inédito de Montes, uma série de suspense à la Agatha Christie, também para a HBO. Quem aguarda uma segunda temporada de Beleza Fatal, porém, terá de segurar as pontas: ainda não há certeza sobre uma nova leva de episódios. Por ora, os fãs podem se deliciar com Dias Perfeitos. Na supervisão da série, Montes deu à diretora Claudia Jouvin liberdade para mexer em sua obra. Enquanto o livro é narrado por Téo, a produção terá o contraponto de Clarice e um novo final, que já instigou os fãs do autor. Raphael Montes é um fenômeno — e sabe usar isso a seu favor.
“Tenho medo da mente humana”
Montes falou a VEJA sobre sua carreira e o gosto por thrillers criminais.
Qual a inspiração de Dias Perfeitos? Atendi ao pedido da minha mãe de escrever um romance, mas adicionei um olhar provocador. Me inspirei em tramas de obsessão, como Ata-me!, do Pedro Almodóvar, e Louca Obsessão, do Stephen King. Quando o livro saiu, a Fernanda Torres ligou em casa para me elogiar e acho que foi só ali que minha mãe aceitou que eu era mesmo um escritor.
Quais medos pessoais transpôs em sua obra? O primeiro é a morte. O autor escreve para que sua obra dure mais que ele. Segundo, de perder a liberdade. E tenho medo da mente humana.
Em que sentido? O ser humano é potencialmente bom — e potencialmente mau. Chamamos criminosos de monstros para nos distanciarmos deles. Mas são humanos como nós. Isso é assustador.
Pensou nisso nos filmes que roteirizou sobre Suzane von Richthofen ou no que ainda será lançado, sobre Elize Matsunaga? Em partes, pois a espetacularização dessas mulheres diz muito sobre nós como sociedade. São mulheres brancas, ricas, que não costumam ser vistas como más.
Como explica o fascínio por tramas criminais? As mulheres são 85% dos meus leitores. Vivenciar medos pessoais na segurança de um livro é uma forma de entendê-los.
Nem sempre popularidade e prestígio andam juntos. Ser pop na literatura é um crime? Sim, mas um crime com direito a fiança. Como disse Tom Jobim: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”. Eu estou onde queria estar. O autor quer ser lido.
Publicado em VEJA de 15 de agosto de 2025, edição nº 2957