Ainda na infância, em João Pessoa, a paraibana Lucy Alves foi direcionada naturalmente à paixão pela música. Aprendeu violão de sete cordas com o pai, o engenheiro José Hilton. Sua mãe, a professora Maria, tinha paixão pelo forró. As irmãs, Laryssa e Lizete, também tocavam. “Nasci no meio da música, nem tive chance de escolher”, disse a VEJA a artista, hoje aos 36 anos. Nesse caldo familiar irresistível, Lucy se revelou polivalente. Ela sabia cantar e dançar, e encantou-se por todos os instrumentos possíveis: piano, violino, viola, rabeca, bandolim, fole de oito baixos, contrabaixo, pandeiro e cavaquinho. Mas foi a sanfona, elemento clássico do forró raramente visto nas mãos de meninas, que lhe trouxe projeção nacional. Em 2013, já em seus 20 e poucos anos, Lucy apresentou um cover de Qui Nem Jiló, composição de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, em uma audição do reality de calouros The Voice Brasil, da Globo. Instantaneamente, impressionou os jurados e o país: para além da voz marcante, revelou habilidade notável no manuseio do pesado instrumento, com cerca de 12 quilos. “A vida foi me levando para o lado da música, até o ponto em que entendi que era isso que eu queria para mim. Eu fui indo, porque me divertia muito”, afirma ela.
Nos próximos meses, Lucy irá ainda mais longe. Após conquistar fama no The Voice, ela lançou três álbuns e fez sucesso na internet com seus videoclipes. Engatou também a carreira de atriz, fazendo uma personagem na novela Velho Chico, exibida pela Globo em 2016. Agora, chegará seu momento de máxima exposição na TV e no streaming. A partir da quarta-feira 21, Lucy estreia como protagonista de uma nova série da Netflix, Só Se For por Amor, que fala sobre o universo da música. É um aperitivo para o evento que tornará Lucy um rosto inescapável: em outubro, ela vai invadir o horário nobre da Globo como heroína de Travessia, novela de Gloria Perez que substituirá Pantanal na faixa das 9.
As qualidades que fizeram de Lucy um novo fenômeno da música são as mesmas que justificam o interesse da Netflix e da Globo por seu nome. Com uma beleza temperada pela ascendência negra e indígena, técnica musical afiada (ela é bacharel em viola clássica) e versatilidade no palco, Lucy confere uma estampa moderna à cultura nordestina de raiz. Encarna, assim, uma certa “gourmetização” do forró para as novas gerações.
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A imagem de mulher forte não é mero detalhe na receita. Na série Só Se For por Amor, ela interpreta Deusa, estrela sertaneja que tem de decidir entre continuar a parceria com seu amado e brilhar em carreira-solo. A Brisa da novela de Gloria Perez demonstra sua força numa daquelas tramas rasgadas da autora: vítima de uma deepfake na internet, a mocinha é procurada por um crime e tem de fugir do Maranhão para o Rio, onde vai sacudir a poeira e se levantar. Sempre exalando segurança e energia, Lucy é uma boa aposta para viver essa heroína que “verga, mas não se quebra”.
A própria confessa que, apesar dessa imagem resoluta e da vocação familiar para a arte, teve ao menos um instante de vacilação: na juventude, quase desistiu da carreira artística para virar advogada. “Cheguei a cursar cinco períodos de direito, mas vi que meu negócio era a música. É um caminho árduo: além do talento, tem de conhecer gente, ter equipe, correr atrás de oportunidades”, explica.
Reservada sobre sua vida pessoal, Lucy teve seu romance com a produtora Victoria Zanetti registrado por paparazzi em abril deste ano, quando as duas trocavam carinhos no Rio. Mesmo ciente da exposição que teria ao fazer uma mocinha de novela das 9, a atriz se assume bissexual e afirma não ter se incomodado com o “flagra” — mas se importa, sim, com o rebuliço que uma relação lésbica ainda causa na sociedade. “Algumas pessoas ficaram impressionadas, mas é bom poder incentivar as pessoas a ser livres para amar. Até agora, nenhuma porta se fechou para mim, graças a Deus. Eu prefiro pagar o preço de ser quem sou”, diz a artista, que se apresentou no Rock in Rio com o apoio da namorada no backstage. Na arte ou na vida real, a autenticidade vale a pena.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807
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