Santoro sobre papel de carrasco em ‘7 Prisioneiros’: ‘Me sentia sujo’
Protagonista do novo filme da Netflix, ator fala a VEJA sobre desafios de encarnar o terrível Luca, um senhor de escravos da contemporaneidade
Em um primeiro momento, Rodrigo Santoro encarna Luca, co-protagonista de 7 Prisioneiros, com certa simpatia. Assim que quatro rapazes recém-chegados a São Paulo pisam em seu ferro-velho, ele cumprimenta cada um com apertos de mão e sorrisos de canto, puxa conversa fiada e não dispensa as boas maneiras. Chega até a dar uma nota de 20 reais para que comam um prato feito na esquina, olhe só. Não fossem as respostas evasivas sobre contratos e o semblante calculista, passaria facilmente por um gerente receptivo. Mas, do dia para a noite, a fachada de bom patrão cai, e, sem oscilar, Luca é o algoz capaz de submeter o grupo a uma perturbada forma de escravidão contemporânea. Eis a premissa do novo filme do diretor Alexandre Moratto, que, depois de arrebanhar elogios no Festival de Veneza, chega à Netflix na próxima quinta-feira, 11. Além de Santoro, o protagonismo também é de Christian Malheiros, que, na pele do explorado Mateus, trava um dilema moral à medida em que consegue regalias acima dos demais encarcerados.
Quando Moratto primeiro pensou em Santoro para o papel, franziu alguns narizes: “Mas ele é tão charmoso, tão bonito… Tem certeza?”, ouviu de consultores. Para quem está acostumado a ver o ator na pose de galã, Luca é, de fato, uma surpresa. De barba volumosa e roupas puídas, o personagem repele qualquer sombra do charme que consagrou Santoro, seja por papéis em novelas nacionais, seja por tramas gringas como Westworld e Lost. Mas a preparação, antes de ser física, foi emocional: “Eu lia o roteiro e sentia desgosto ao pensar que tinha que me emprestar para fazer um personagem como esse, foi dolorido”, conta o ator a VEJA. “A primeira barreira que eu tive de vencer era de me aproximar da realidade do personagem sem julgar” – uma missão complicada. Na pele de Luca, Santoro age como um senhor de escravos da contemporaneidade, recorrendo à violência física e psicológica para conter a fuga dos encarcerados.
“Na época da gravação, pouco antes da pandemia, minha filha tinha 2 anos. Eu chegava em casa e ela abria a porta para me receber com um sorriso no rosto, era a própria encarnação do amor e da pureza. Eu vinha carregado, me sentia tão sujo ao abraçar ela que precisava tomar um banho antes”, relata. Incorporar o algoz exigiu, também, uma pesquisa de campo em ferros-velhos paulistas – e uma investigação ainda mais profunda do personagem. Como Moratto disse a VEJA, “ninguém acorda um dia e decide que quer ser um traficante de pessoas”. Pela história de Luca, o filme deixa entrever que mesmo ele é mera peça em uma pirâmide maior de exploração, a correr incólume por São Paulo. “Até dormir à noite era difícil. Sobrevivência é um assunto muito complexo”, resume Santoro.
Confira abaixo o trailer de 7 Prisioneiros, também disponível em salas de cinema do país.