Série documental revela abusos nos bastidores do canal Nickelodeon
Prestes a estrear no Brasil pelo Max, doc mostra ambiente de traumas nas produções infantis
Vinte anos atrás, o treinador de diálogos e atuação Brian Peck, então parte da equipe do canal infantil Nickelodeon, foi condenado a dezesseis meses de prisão e registrado como agressor sexual por uma série de abusos contra um menor de idade. Na época, em 2004, o jovem de 15 anos teve a identidade protegida. Mas o mistério se dissipou semanas atrás, quando Drake Bell, estrela da série Drake & Josh, revelou no documentário O Lado Sombrio da TV ser a vítima que pôs Peck atrás das grades. “Não sei como explicar isso diante das câmeras. Pense nas piores coisas que alguém pode fazer a uma pessoa numa agressão sexual e terá sua resposta”, disse sobre a brutalidade e extensão dos estupros.
Estou feliz que minha mãe morreu – Jennette McCurdy
Transmitida originalmente pelo canal ID, nos Estados Unidos, a série documental chega ao Brasil na terça-feira 16, pelo Max, e lança luz sobre um tópico infelizmente recorrente no entretenimento: o ambiente altamente tóxico ao qual crianças são submetidas por vezes nos bastidores do mundo mágico das produções infantojuvenis. Dividida em quatro episódios, a série foca a Nickelodeon, canal que fez sucesso nos anos 1990 e 2000 com tramas como O Show da Amanda, All That e Zoey 101, antes mesmo do estouro do Disney Channel.
É um caso extremo: os responsáveis pela engrenagem, mostra a série, não só deixaram de proteger as crianças como criaram um ambiente favorável a predadores sexuais. Além de Peck, outros dois funcionários foram condenados por abusos a adolescentes do canal, e o chefão Dan Schneider, demitido em 2018, é acusado de assediar e humilhar funcionárias e sexualizar os menores nas telas com piadas de conotação sexual — numa cena de Sam & Cat, Ariana Grande acaricia uma batata para tentar espremer “suco” do legume, enquanto Alexa Nikolas lança um jato sugestivo de gosma no rosto de Jamie Lynn Spears em Zoey 101. Com a repercussão, Schneider, apontado por Bell como único do canal a apoiá-lo na época do abuso, veio a público admitir que errou em sua carreira. “Estou enfrentando meus comportamentos do passado, alguns dos quais são constrangedores e me arrependo. Devo as mais profundas desculpas a algumas pessoas”, disse após assistir à produção.
Things I Should Have Said – Jamie Lynn Spears
Fato é que desculpas não curam traumas: nos relatos das estrelas infantis, são comuns as menções a problemas como alcoolismo, abuso de drogas e transtornos. Em resposta às acusações, a Nickelodeon — que hoje, na era do streaming e do YouTube, já não tem a popularidade de outrora entre os jovens — disse que adotou medidas de segurança ao longo dos anos e lamentou os males causados a Drake Bell. O ator chamou a resposta de “vazia”. “Eles ainda transmitem nossos programas, e eu preciso pagar pela minha terapia”, disparou. Havia horror por trás da magia.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888