The Last of Us: o que esperar da segunda temporada da série apocalíptica
Trama expõe a capacidade humana de resistir mesmo diante do pior, reforçando o filão das séries que extraem poesia e sabedoria do apocalipse

A população da pequena cidade de Jackson, no Wyoming, se prepara para a chegada de mais um ano com festa na praça principal. O local, com jeitão de Velho Oeste, foi criado lá no século XIX para ser autossuficiente. A vila é protegida por um imenso muro e pelas montanhas ao redor. Há alimentação para todos, provida por uma fazenda, e energia vinda de uma hidrelétrica. O clima de normalidade, porém, mascara o horror: após um apocalipse climático, boa parte da humanidade foi transformada em zumbis por um fungo até então inofensivo (que existe de fato), o Cordyceps. Antes do aquecimento global, o patógeno só atacava formigas, mas passou a ter pessoas como alvo após sofrer uma mutação causada pelo aumento da temperatura. Na série The Last of Us, que chega à sua segunda temporada no domingo, 13, na Max, lugares como Jackson são bolhas para aqueles que se salvaram, tentam juntar os cacos e resgatar a vida — enquanto isso for possível.
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A luta humana para sobreviver em um mundo apocalíptico é uma temática que se renova graças a uma característica sagaz: a capacidade de acenar ao espectador com uma visão do fim do mundo conectada às angústias de cada época. No passado, as preocupações exploradas na tela já foram da paranoia nuclear à pandemia. E hoje se centram em novos “vilões” coletivos. As visões de um apocalipse ambiental ganharam força, embaladas pela preocupação com as mudanças climáticas. No pacote se somam, ainda, os temores com a volatilidade de um mundo onde políticos negacionistas e belicistas ganham mais e mais poder (vide, óbvio, Donald Trump).

Nessa seara, nada na ficção atual supera The Last of Us. Na nova temporada da série, baseada no videogame de mesmo nome, cinco anos se passaram após o caos causado pela contaminação em massa do Cordyceps, e Joel Miller (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey), apesar de não se falarem mais, vivem em paz em Jackson. “The Last of Us não se propõe a ser metáfora de nenhum conflito político específico, mas busca refletir emoções humanas universais que podem levar a comportamentos como violência, xenofobia e protecionismo”, disse a VEJA o diretor e produtor Craig Mazin — que também criou a excepcional minissérie Chernobyl (2019), sobre os efeitos do devastador acidente nuclear soviético de 1986.
Os atuais alertas climáticos e o retorno do fantasma nuclear, reflexo de conflitos como a guerra na Ucrânia, tornaram a ficção apocalíptica de novo popular — e o melhor: capaz de refletir nuances originais da questão. Além de The Last of Us, o streaming hoje exibe pérolas como Paradise, do Disney+. Na série, parte da humanidade conseguiu sobreviver a um tsunami sem precedentes, vivendo em relativa tranquilidade numa cidade típica do interior americano — mas construída dentro de uma montanha. Já em Silo, da Apple TV+, uma comunidade que há anos vive isolada num bunker tenta entender o que causou a extinção no mundo exterior. O drama é ilustrado pela frase de uma personagem que se impressiona com a natureza abundante que havia na Terra: “Como eles perderam esse mundo?”.

Qualquer que seja a causa do apocalipse de plantão, a premissa desenvolvida com primor por essas séries não é sobre a destruição em si, mas como o ser humano se revela em meio à devastação. Encontrar um fiapo de normalidade no fim do mundo se tornou um tema caro aos showrunners de Hollywood, e de notório interesse da audiência, especialmente após a pandemia de covid-19. Na segunda temporada de The Last of Us, a sensação de normalidade após um período de crise é seguida pela complacência e pelo esquecimento dos perigos. Uma tendência que reflete a adaptabilidade humana de seguir em frente após grandes eventos traumáticos — que testemunhamos na vida real durante a pandemia. “Essa ‘calmaria’, é o prenúncio da tragédia que ecoa o conceito grego de hybris, onde o excesso de confiança leva à queda”, diz Mazin.
Com apenas sete episódios, a série centrará seus esforços em contar como a chegada de uma forasteira na cidade, a soldada em busca de vingança Abby (Kaitlyn Dever), desestabilizará a aparente tranquilidade local. Descoberta em Game of Thrones, ao interpretar com brio a nobre Lyanna Mormont, Bella Ramsey continua sendo o trunfo de The Last of Us. A atriz, que descobriu recentemente ser autista e precisou lidar com o ódio nas redes sociais “por não ser bonita como a personagem do game” em que se baseia a série, prossegue em sua sina de ser a única pessoa imune ao fungo (leia a entrevista).

Na nova temporada, os episódios seguirão a mesma lógica da primeira fase, em que cada um deles funciona como uma parábola sobre a civilização. Humanista, a série vai examinando as dores da sociedade atual, mas também dramas íntimos, da descoberta da sexualidade de Ellie à busca por saúde mental de Joel. “A ideia é reduzir a escala da narrativa épica para explorar a profundidade das relações pessoais”, afirma Mazin. Mesmo nesse clima de fim do mundo, há poesia e sensibilidade.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938